terça-feira, 21 de janeiro de 2014

GUERRA COLONIAL: OPERAÇÕES ENCOBERTAS ( 9 )





OPERAÇÃO CAMPING: UM GOLPE FRANCÊS CUJA BARRIGA DE ALUGUER ERA PORTUGAL


Tal como no antigo Congo Belga, também se registou intervenção no vizinho Congo francês.

A razão era a mesma. 


A escolha também o era: a procura de um homem com passado anti-colonial para servir os antigos senhores.

Um político congolês, que faleceu em 2009, Bernard Kolélas, antigo primeiro-ministro da República Popular do Congo, foi o “homem de mão” do regime de António Salazar, para dar corpo a um golpe de Estado, em 1967/68, contra o governo do então Presidente Alphonse Massamba-Débat.





Kolélas: Em duas épocas diferentes.

Nunca foi desmascarado como agente do colonialismo português.


Uma tentativa que colocava, aliás, na ordem do dia o assassinato político selectivo de alguns dos principais dirigentes do Estado congolês, com a especificação de que a “neutralização” dos “indivíduos” passava em primeiro lugar pelo Presidente da República Débat. 


Mas, o “conhecimento exacto e actualizado” da execução desse objectivo dependia de, entre outros pressupostos, do “fornecimento pelas autoridades francesas de todos os elementos que à operação interessam”.

Ou seja, Portugal era, neste caso, um capacho dos interesses da França democrática, que, para restabelecer os seus interesses políticos e económicos – e claro geo-estratégicos - na sua antiga colónia africana, utilizava os “bons esforços” do regime ditatorial de Salazar, que, metido na boleia, procurava conseguir que a retaguarda da guerrilha angolana ficasse minada ou diminuída com a mudança de regime em Brazzaville.

O tiro saiu-lhe na culatra, no entanto.

Foi uma operação de grande envergadura, que envolveu, além de Portugal e da França, a Costa do Marfim e a África do Sul.

Todavia, os principais mentores congoleses são difíceis de descodificar nos documentos elaborados pela PIDE, depositados na Torre do Tombo, pois apenas são referenciados por pseudónimos.


Foram, aliás, estes documentos que permitiram, no cômputo geral, conhecer a extensão da “operação clandestina”.


A nível interno do regime português, os relatórios, que foi possível consultar, circulavam apenas entre a PIDE (e as suas estruturas envolvidas no terreno) e a Presidência do Conselho de Ministros (Salazar) e o Ministério da Defesa Nacional (general Gomes Araújo).


Logo, a ingerência no Congo teve a concordância directa do falecido chefe do governo de Portugal.

Mas, pelas indicações apostas nos documentos verifica-se que, pelo menos, o Ministro do Ultramar e o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas participaram no planeamento e apoio técnico-militar à operação.

O documento mais antigo guardado no espólio da Torre do Tombo sobre a operação, que recebe o nome de código de “Camping”, elaborado pela PIDE (Serviços de Segurança -Secção Central), enviado para o chefe do governo e para o Ministro da Defesa, tem a data de 16 de Junho de 1967 e estava classificado como “MUITO SECRETO”.


Refere o relatório, logo no primeiro parágrafo da sua introdução, que “a presente informação constitui um pormenor dos planos anteriormente apresentados por *SAMBA OMER* e o resultado dum exame e revisão posterior do estado das coisas por um perito francês”, perito este nunca é citado expressamente ao longo das 11 páginas do mesmo.

Em todos os documentos consultados na Torre do Tombo, SAMBA OMER, como pseudónimo, é sempre apresentado como o responsável máximo da conjura congolesa, mas nunca é referenciado pelo seu nome real.

Todavia, por um curto memorando preparatório de uma reunião, de divulgação restrita, com a recomendação escrita à mão “não seguir” para outros canais, fica a saber-se que os “partidários de KOLELAS” estão instalados nos arredores de Carmona. 


Ou seja, Kolelas era o líder da conjura.

(Bernard Kolelas, já falecido, nascido em 1933 participou activamente na vida política do Congo, especialmente quando o pró-francês Pascal Lissouba ascendeu à Chefia de Estado, após o afastamento, em 1992, de Denis Sassou-Nguesso. Foi seu primeiro-ministro, durante dois meses, em 1997).

Pelos documentos da PIDE, há referências constantes aos “partidários” de “Samba Omer”, sem o citar pelo nome real, nos arredores de Carmona.

Assinala nomeadamente o “MEMORANDO” restrito, com data de 26 de Julho de 1967, que o “pedido” para que “um grupo de partidários de KOLELAS” recebessem “treinos” em Angola, “antes de serem lançados em território da R.P.C”, partiu do próprio, tal como está inserido em idêntica solicitação inserida no relatório elaborado pelos Serviços de Segurança da PIDE.

No relatório da polícia política, verifica-se que “OMER” deu o seu assentimento à escolha do local onde se instalou o “grupo dos primeiros 17 componentes” operacionais da conspiração, uma fazenda abandonada a 30 quilómetros de Carmona, na estrada Carmona –Songo.



Quando a PIDE tem de especificar quem é Omer

Kolelas teve, aliás, residência temporária naquela antiga fazenda. Desconhece-se o tempo.

A PIDE informa os seus superiores que os “três elementos (congoleses) responsáveis – “SAMBA OMER, “ROBERTO” e “AUGUSTO” – “ficam instalados numa residência a alugar na cidade de Carmona.

Tal residência, sob controle destes Serviços, seria utilizada ainda pelos dois instrutores”.

Quem são estes instrutores? 


O documento dos Serviços Centrais não os identifica, mas um relatório, com o carimbo de “Muito Secreto”, da delegação de Angola da PIDE, com data de 9 de Agosto de 1967, cujo assunto é a “Operação Camping” e os “instrutores –Grimaud e Surma”, dá uma pormenorizada informação sobre os mesmos e o seu trabalho.

“Em referência à msg 176/CI (2), - especifica o relatório - chegaram a esta cidade (Luanda), provenientes de LISBOA – no voo 257 dos TAP, de 01AGO67 – os seguintes indivíduos:


SURMA – Taddée

- de nacionalidade francesa

- natural de GRODMO/POLÓNIA

- nascido a 02MAI26

e

GRIMAUD – Claud Gerald


- de nacionalidade francesa

- natural de SETIF/ARGÉLIA

- nascido a 05MAI33”.


Os instrutores franceses, descreve o relatório emanado da delegação de Angola da PIDE, “formam dispensados pelos serviços de MAURICHAUD BEAUPRÉ -o chefe dos serviços secretos controlados pelo primeiro-ministro gaulês- (…)por um período de três meses”.

Nos comentários finais do relatório, o responsável da polícia política portuguesa fica encantado com os instrutores franceses, sublinhando “o seu elevado grau de conhecimentos e preparação”

Sugerindo mesmo que, “no decurso ou no final da preparação” do grupo congolês, tais instrutores treinem “os elementos deste Serviço” (…)”em algumas matérias” que os franceses “se encontram qualificados para ministrar”.

De mensagens trocadas entre a sede da PIDE em Lisboa e a sua delegação em Luanda, verifica-se que houve outros agentes franceses no terreno, tais como “Maurice Mbaigoto”, que utilizou um “passaporte de República do Tchad” e era apresentado como “amigo” de Beaupré.

Um relatório policial datado de 7 de Fevereiro de 1968 assinalava ainda a presença de “Michel Winter e Claude Grimaud – instrutores franceses do *campo – Songo* “, que se tinham retirado “para a Europa em 23DEZ67”, com a promessa de regressarem em Janeiro, mas que até à data do documento ainda não o tinha feito.

O mesmo relatório referencia a presença do “francês Gildas Lebeurier”, que, pelo teor da informação, deveria ser alto quadro dos serviços secretos, pois transmitia à parte portuguesa que o “presidente da COSTA DO MARFIM, HAMPHOUET BOIGNY” prometera “aos Serviços Especiais Franceses” uma quantidade elevada de armamento, destinado “a ser enviado para Angola com vista a ser utilizado na fase operacional da OPERAÇÃO CAMPING”.

A operação baseava-se em dados muito pouco consistentes e numa teia conspirativa quase infantil, que aliás se releva do próprio relatório. 


Nos “comentários” do autor – Os serviços de Segurança da Secção Central, logo a direcção da Pide, assinala-se: “Tem-se consciência da extensão da informação elaborada e aceita-se que um ou outro ponto sejam considerados supérfulos. Surge, porém, que tudo terá que ser previamente estudado até à exaustação, pois ficou largamente demonstrado que mesmo o responsável do movimento – OMER – não possuía mais do que um objectivo fixo. Tudo o restante era vago, quase à sorte”.

Este relatório, que foi levado ao presidente do Conselho de Ministros António Salazar e dele mereceu a aprovação, pois a operação entrou em movimento desde então, revela que a polícia política do regime está envolta numa confrangedora falta de capacidade de análise e age baseada em pressupostos irreais e subjectivos sobre a implantação no terreno dos oposicionistas congoleses.

A direcção da PIDE confessa-o no entanto, sublinhando as fraquezas evidentes como atrás ficou referenciado, mas mesmo assim não se coíbe de aconselhar o topo da hierarquia do Estado a entrar numa aventura: “não restam dúvidas de que estamos em face duma operação possível e viável, em que é manifesto o interesse do apoio a conceder-lhe”.

No Memorando, já assinalado, emitido um mês depois do relatório – 26/7/67 -, que a estrutura dirigente da PIDE fez questão de “não (fazer) seguir” para as entidades competentes, escreve-se que o treino em Angola partiu de um pedido de Bernard Kolelas, pedido este que foi “apoiado em promessas, de que seriam enviados instrutores que se juntariam a estes homens”.

Mas no ponto seguinte, alerta-se: “até à presente data, não chegaram quaisquer elementos a Angola com esse fim e a situação do referido grupo (o inicial) começa a deteriorar-se”.

Neste Memorando, a direcção da PIDE ainda coloca reservas à operação: “Conviria saber-se o que se pode esperar da acção já iniciada, pois o próprio Kolelas manifesta desorientação”.

Um relatório da delegação de Luanda, com o rótulo de “Muito Secreto”, com data de 9 de Agosto de 1967, explana uma fase de treino, com instrutores franceses, com a presença apenas de “os primeiros 17 elementos do grupo a constituir com vista à sua eventual instalação naquele local” (arredores de Carmona). Dos restantes que deveria formar uma unidade de 50 não há rasto.

Nesse relatório, o responsável da PIDE refere o seguinte: “Raphael Yengo, que regressara do CONGO-KIN, esclareceu em relação aos restantes elementos do grupo que:

1-Partiria brevemente (07AGO67) para KINSHASA, a fim de *canalizar* os restantes 33 estagiários;


2-Estaria de regresso pelo dia 13AGO67 com o primeiro grupo de cerca de 10 elementos;


3-Julga, em princípio, que no decurso do mês de Agosto o *grupo 50* estará totalmente preenchido”.





Uma “informação” com o carimbo de “muito secreto”, emitida de Luanda, com data de 22 de Junho de 1967, com a rubrica do inspector Ernesto Lopes Ramos, um responsável da PIDE, que esteve ligado ao “complot” que levou ao assassínio do general Humberto Delgado, e que certamente deve ter sido “recuado” para Angola, tal como o subinspector Casimiro Monteiro –o autor material da morte daquele oficial-general, candidato oposicionista ás eleições presidenciais de 1958, o foi para Moçambique, dá uma imagem degradante dos oposicionistas congoleses instalados em Angola.

“Notícias provenientes de Carmona, com data de 21JUN67, dão indicação da deterioração do ambiente disciplinar dos primeiros 17 elementos do *grupo-50* já instalado, solicitando instruções no sentido de poder regressar a harmonia ao conjunto em que os problemas surgidos já haviam posto, inclusive uma tentativa de substituição do *chefe* - DIAFRANCO”.

Nos princípios de Fevereiro, já a PIDE tinha a noção que a França tinha ruído a corda.

“Informações sobre a situação política no Congo-Brazza levam a crer que – talvez a curto prazo – se assiste a uma mudança de atitude de MASSAMBA DÉBAT na sua política externa para com a FRANÇA.

Efectivamente a recente visita de IVON 

BOURGES, secretário de Estado encarregado da cooperação no MNE francês ao Congo pressupõe a existência duma nova aproximação PARIS-BRAZZA”, refere um relatório “SECRETO” da delegação de Angola daquela polícia, assinado pelo seu responsável máximo.

Acrescentava então que “os serviços de Maurichaud”, no caso de se concretizar tal aproximação, que era real, irão “encarar sob novo ângulo a Operação Camping, senão mesmo a considerá-la inoportuna, ultrapassada ou já desnecessária”.

E com um pormenor: “Auscultado recentemente sobre a situação no país vis-a-vis da França, SAMBA OMER deixou transparecer que ele próprio começava a admitir que os Serviços Franceses se haveriam alheado do seu problema”.

Todavia, nesse mesmo relatório, o seu autor reconhece o papel de intermediário de Portugal, de certo modo submisso à estratégia de Paris na questão da operação CAMPING.


“Torna-se de extrema importância e urgência – recomenda o subdirector da PIDE em Luanda – determinar claramente a posição dos Serviços Francesas e perante as deficiências apontadas – recrutamento, informação, etc – decidir a continuação ou abandono do assunto”.

Questiona no entanto se, os franceses “se alhearem efectivamente do assunto”, se deveria “com os elementos existentes” … “autorizar golpe proposto por Samba Omer para princípios de Março (de 1968)”.

Não há registo, em arquivo, da resposta de Lisboa às interrogações.

Um documento com o carimbo de “secreto” de um mês depois – 7 de Março de 1968 – do subdirector da PIDE em Luanda (São José Lopes), assinala-se que a operação está a custar, em assuntos correntes, ao erário público valores elevados, perto de 600 mil escudos, além de um financiamento para Samba Omer da ordem dos 400 mil escudos, com a confissão de são necessárias as definições de “atitudes a tomar em relação” ao eventual golpe de Estado.

E isto, segundo o responsável policial, porque a operação, “que começa a constituir mais do que um encargo, já (é) um problema”.

São José Lopes assinala mesmo que tinha sido criada uma “situação embaraçosa” com “a falta de notícias dos Serviços franceses” que, pura e simplesmente, deixaram de dar cavaco às autoridades portuguesas.

Depois desta data, não foi possível apurar a existência de outros documentos e relatórios da PIDE sobre esta operação.

Uma coisa é certa nesse ano de 1968: o Presidente Massamba-Débat, que assumira o poder em Agosto de 1963, ao depor o regime do fundador do Estado abade Fulbert Youlou, é afastado por uma golpe militar de esquerda, dirigida por jovens oficiais, de onde emergiu o capitão Marien Ngouabi.

Este, em 1969, é eleito Presidente da República.

Funda um novo partido – o Partido Congolês do Trabalho (PCT), que se torna o dirigente político único do Estado, baseado na teoria, emanada e engendrada na antiga União Soviética, de José Stáline, que se vulgarizou com o nome marxismo-leninismo.

O país passou a chamar-se República Popular do Congo.

Marien Ngouabi, que deu um apoio logístico constante ao principal movimento guerrilheiro anti-colonial angolano, o MPLA, esteve no poder ate 1977, altura em que um golpe de Estado liderado por um seu antigo camaradas de armas, o coronel Joachim Yhombi-Opango, o afastou e assassinou.

Nessa altura, já a vizinha Angola estava independente e, nesta altura, começava a intervir nos assuntos internos da região.

































           



           



           

Sem comentários:

Enviar um comentário