sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

GUERRA COLONIAL: OPERAÇÕES ENCOBERTAS (8)




ZAIRE: OS “MERCENÁRIOS” CASTRENSES A ACTUAR, CLANDESTINAMENTE, PELOS SEUS GOVERNOS OCIDENTAIS

Os movimentos guerrilheiros independentistas necessitaram e necessitam, para sobreviveram, de “santuários” de retaguarda, que lhes servissem e servem de grandes locais logísticos. 

Os grupos que actuaram em Angola, mais do que em outro antigo território colonial português, sentiram a falta de um estável país limítrofe que os apoiasse sem reservas. 


O MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) foi o partido que mais dificuldade teve com os países receptadores.

Angola é um território imenso e a guerrilha fazia esforços hercúleos para levar a luta armada ao seu interior, em especial às zonas mais próximas do litoral, onde praticamente não actuou com armas na mão, mas sim pela acção propagandista clandestina 

(Está registada nos *anais* da própria polícia política portuguesa se quiserem consultar o Arquivo Nacional da Torre do Tombo). 


Atravessar um território imenso, sem uma base de apoio fora do controlo do inimigo, é um cabo dos trabalhos.

Daí, a importância para a potência colonizadora em conseguir manter ou levar ao poder nos países vizinhos um governo que limitasse a acção da guerrilha. 

Portugal, por si só, não conseguia determinar o rumo governativo dos vizinhos, mas, em associação, com outras potências ocidentais, que disputavam os interesses económicos do subsolo e os geo-estratégicos, do Estado raiano, poderia levar a água ao seu moinho. 

News Photo: Premier Moise Tshombe Pres Joseph Kasavubu Gen Joseph…
Tshombé (PM), Kasavubu (PR)m Mobutu (CEMGFA) e à direita o embaixador norte-americano

Claro, isto sucederia se as conspirações e as intromissões resultassem. 

Foi assim que surgiram os golpes, intrigas e acções militares no antigo Congo Belga.

O general (um sargento do Exército belga, promovido àquele posto no pós independência) Mobutu Sese Seko, que governou o antigo Congo Belga, com mão de ferro e com o apoio do mundo ocidental, esteve para ser afastado do poder, na segunda metade da década de 60, através de uma grande conspiração engendrada pelas mesmas grandes potências que o ampararam, orientaram e mimosearam durante cerca de trinta anos.

Portugal participou, nessa conspiração, como “peão” logístico, interessado em intervir nos negócios do vizinho país, que se chamou  Zaire, hoje República Democrática do Congo, para impedir as movimentações e apoios à guerrilha que actuava em Angola.

Foi precisamente desse então Zaire, que surgiram os principais apoios externos no início dos anos 60 ao despoletar da guerra de guerrilha no norte de Angola, com a vaga de assassinatos de colonos brancos cometidos, em 1961, pela Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA), liderada pelo falecido Holden Roberto.

A FNLA tinha um “longo cordão umbilical” ligado a Mobutu, já que Holden Roberto era seu cunhado, e o recrutamento de guerrilheiros se fazia essencialmente na etnia bakongo que se estendia da parte norte angolana até ao Zaire.

Além do mais, aquela Frente era apoiada, forte, mas discretamente, no início, pelos Estados Unidos da América, que procuravam disputar a supremacia da descolonização em Angola à então União Soviética que veio a dar, após uma hesitação inicial, o seu apoio ao concorrencial Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).

O antigo Congo Belga teve, em 1960, uma separação atribuladíssima da sua potência metropolitana europeia, a Bélgica, que foi forçada a dar-lhe a independência, mas quis mantê-lo na sua esfera de influência.

Logo após a independência, em 1960, as duas superpotências da altura, os Estados Unidos e a ex-União Soviética, procuraram ganhar-lhes os favores. 

Pela região, movimentavam-se outras potências europeias e ainda a República Popular da China. 

O subsolo era o principal motivo de cobiça: diamantes, urânio, cobre, ferro, ouro, fizeram desse país um tremendo palco de disputa, que o ensanguentaram,  praticamente,  até aos dias de hoje. Tal como na altura, havia e há, claro, interesses geo-estratégicos na região.

Joseph-Desiré Mobutu, que, mais tarde, num processo que chamou de “zairização” do país, mudou de nome, apelidando-se Mobutu Sese Seko Kuku Ngendu wa Zabanga, ascendeu ao poder nos interstícios da disputa inicial pós-independência, quando se aliou aos Estados Unidos, através do responsável da CIA no país Larry Devlin. 

O próprio país veio a chamar-se Zaire.

Começou como Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, cujo chefe do executivo era Patrice Lumumba, (pertenciam ao mesmo grupo Movimento Nacional Congolês) que estava em guerra aberta com Joseph Kasavubu, então de Chefe de Estado. 


Quando Mobutu pensava que o vencedor ser Lumumba...

Este queria manter-se na órbita da sua potência colonial e dos interesses das grandes companhias mineiras que operavam no país, Lumumba pretendia separar-se da asfixia neo-colonial e, para apoiar a sua estratégia política, socorreu-se da antiga União Soviética e …da própria ONU.

Kasavubu demite, a 14 de Junho de 1960, Lumumba do cargo de primeiro-ministro com o apoio de Mobutu, que, como coronel, estava a organizar as Forças Armadas do país, traindo o seu mentor.



Larry Devlin (o terceiro a contar da direita), tendo ao seu lado direito o embaixador dos EUA Godley, de calções. À esquerda está Justin Bomboko, que foi MNE mobutista, no meio, Mobutu e, na extrema direita, Victor Nendaka (que foi o tenebroso chefe dos serviços secretos de Mobutu) à direita. Vê ainda a mulher de Godley, e, mais retirado, um então jovem agente secreto chamado Frank Carlucci.

O primeiro-ministro Lumumba foi preso e assassinado com a cumplicidade directa do homem que se formou em informação e jornalismo no interior do Exército colonial belga. 

Numa viagem ao Congo, nesse tempo, o secretário-geral da ONU Dag Hammarsagold, que não era um incondicional do domínio norte-americano, morre num estranho e nunca esclarecido acidente de aviação quando sobrevoava o território.

Em Novembro de 1960, Mobutu, com o Exército, impõe um governo de tecnocratas a Kasavubu e assume o lugar de comandante-chefe das Forças Armadas. 


As mesmas Forças Armadas que o colocam no poder em Novembro de 1965.
            
Nos princípios de 1966, o novo homem forte do Congo Belga navegava nas águas da incerteza. 


Como pragmático criado no seio da política colonial, queria espaço de manobra interna e externa. 

Começou, na altura, a preocupar os seus aliados ocidentais, que espalharam pelo país milhares de “mercenários”, liderados por oficiais das tropas especiais, sob a cobertura de “assessores de segurança”.

Recomeçaram, desse modo, as intrigas internacionais. 

Estavam em jogo fontes essenciais de matérias-primas.

É então que se forja uma grande conspiração. 

O regime português de António Salazar foi o seu “pivô”, na segunda metade de 1966, com o propósito declarado de derrubar o governo do general Mobutu Sese Seko e colocar no poder na República do Zaire (ex-Congo Belga) o antigo Presidente da secessionista província do Catanga e ex-PM Moisés Tschombé.

A preparação dessa operação secreta está documentada em relatórios detalhadíssimos da polícia política portuguesa.

Recebendo ordens do chefe de governo, o então director da PIDE major Silva Pais interveio pessoalmente. 

Muito antes da data prevista para a tentativa de golpe de Estado.

Duas mensagens, com a chancela de secreto, dirigidas a “Interpol” (o responsável em Moçambique), em Lourenço Marques, com a recomendação de “cifrar o texto” e “seguidamente remeter” ao posto de rádio para expedição, tem a assinatura de Silva Pais.

Na primeira, com data de 19 de Julho de 1966 e a horas precisa, 17:30, Silva Pais dá directivas ao seu subordinado: 

“Por combinação entre Rodésia, Tschombé e esta direcção deve realizar-se (em) breve (na) nossa polícia (em) Lisboa (uma) importante reunião para (a) qual (é) indispensável  a comparência de um delegado categorizado da polícia da África do Sul. Rodésia já deve ter contactado sobre assunto  com a Africa do Sul , devendo V.Exa contactar com urgência general van de Bergh sobre se ele ou um seu delegado pode vir de imediato aqui visto delegados de Tschombé poderem aqui estar a qualquer momento. Responder urgente”.

Às 19:20 de 27 de Julho de 1966, Silva Pais quer respostas de Lourenço Marques.

“A situação actual  no Congo propicia o golpe projectado de Tschombé  sobre o Katanga para ocupar o poder em Leopoldville. Espero notícias da Rodésia sobre se viria a reunião aqui um elemento categorizado da Rodésia, devendo V.Exa contactar a Rodésia e a África do Sul  sobre se ambos poderiam enviar aqui com urgência delegados com poder para assentar plano exequível. Esta em Lisboa delegado de Tshombé, encontrando-se este em Madrid.”.

“Interpol” de Lourenço Marques responde nesse mesmo dia: “Representante da Rodésia seguirá amanhã, dia 30, no voo da África dói Sul, devendo chegar a essa cidade, na madrugada de domingo. A África do Sul lamenta não poder de momento enviar um delegado categorizado”. 



No planeamento do golpe de Estado contra Mobutu, Lisboa e a colónia de Angola seriam locais estratégicos de passagem e de logística para o pessoal e para o armamento. 

Estavam envolvidos “mercenários” militares belgas, franceses, norte-americanos, espanhóis, sul-africanos e rodesianos, e ainda algumas grandes empresas multinacionais, como a Union Minière.

Um relatório operacional detalhado da direcção da PIDE, com data de Dezembro de 1966, elaborado dias antes do programado golpe de Estado, que não chegou a ser levado às últimas consequências, referenciava, com pormenor, as forças em presença, as suas ligações aos governos, os dispositivos militares, sublinhando, como conclusão, que o êxito da missão só seria conseguido se fosse “mantido completo segredo”. 

Tudo descrito sem a menor preocupação de que viesse a ser tornado público. 

A polícia política de Salazar estava crente de que as suas acções nunca seriam conhecidas. Por isso, a passagem ao papel e à escrita não traria problemas.

Na sua conclusão, o relatório lançava ainda um alerta, que de resto se torna uma curiosidade: os conspiradores não queriam que “a espionagem inglesa” soubesse do que se estava a planear, pois aquela de imediato “informaria o governo inglês, o que os colocaria em situação gravíssima”. 

Como não existe uma explicação no documento para este alerta, não se sabe a razão porque a Inglaterra estava, aparentemente, a leste do “complô”.

Um outro documento, este dos planeadores do golpe de Estado - escrito à mão, em francês - justifica a movimentação (“A ACÇÃO PROJECTADA NO CONGO É INDISPENSÁVEL SOB O PONTO DE VISTA INTERNACIONAL”) e a escolha de Moisés Kapenda Tshombé, antigo governador do Catanga, para liderar o poder saído do novo poder.

Com o assassinato de Lumumba, nas lutas de poder interno, Tschombé, foi Primeiro-Ministro e governador da rica província do Catanga, que pretendia ganhar espaço na cena política congolesa, veio a declarar, alguns anos depois, unilateralmente, a sua cessação.

Kasavubu conseguiu, mais tarde, afastar o antigo governador do Catanga da província em Outubro de 1965, seguindo aquele para o exílio em Espanha.

Depois de ascender ao poder, Mobutu pretendeu adquirir uma faceta de homem independente, mantendo no seu governo personalidades de algum recorte nacionalista.

Quis também manter, inicialmente, uma certa equidistância face aos seus antigos aliados europeus, reformulou algumas alianças internas e procurou apoios entre alguns governos nacionalistas africanos, nomeadamente a Tanzânia.

É nesta conjuntura que começa a equacionar-se um “complô” internacional pró-ocidental. 

Tschombé foi o escolhido, pelos países ocidentais, para ser a “cabeça” de um novo governo congolês saído do golpe de Estado. 

Convém não esquecer que o Catanga era o território dos diamantes, que se prolongava, na parte colonial portuguesa, nas Lundas.





“Um vasto plano de subversão da África está em acção desde há vários anos. O Congo é mais particularmente a vítima desta acção em virtude da sua vulnerabilidade própria e pelas vantagens que a sua situação geográfica proporciona ao prosseguimento da acção subversiva nos países situados mais a sul”, assim começa o manuscrito justificativo programático do golpe de Estado que consta de três partes.

Além da sua indispensabilidade do ponto de vista internacional, os autores sustentavam que “A ACÇÃO PROJECTADA NO CONGO DEVE FAZER-SE POR ELISABETHVILLE (hoje Lumumbashi) e que “A ACÇÃO PROJECTADA NO CONGO DEVE FAZER-SE SEM DEMORA”.



Para o sucesso desse golpe, Moisés Tschombé e os seus apoiantes contavam, essencialmente, com a participação de “mercenários brancos” presentes, normalmente como seguranças “em todo o Congo”, ao serviço dos seus país de origem.

O documento especifica-os, referencia-os e situa-os:

“Os belgas, 350 homens, comandados pelo general Delperdange, receberam ordem do governo belga para não intervirem, entretanto o comandante belga de Elisabethville (hoje Lumumbashi), coronel Marchand, envia periodicamente a Tschombé relatórios do que se está a passar.

“Os franceses, comandados pelo comandante coronel Bob Denard, 200 homens, entraram em contacto com Tschombé por intermédio dos Serviços Secretos Franceses da Presidência do Conselho, mais precisamente, por intermédio de Monsieur Foccard e asseguraram antecipadamente a sua colaboração.

“Os sul-africanos e rodesianos, 300 homens, comandados pelo coronel John Peeters,  asseguraram  a sua colaboração por intermédio de Max Dumas, dos Serviços Secretos da Rodésia.

“Os espanhóis, 60 homens, são fiéis a Tschombé.

“A CIA (Central Inteligence Agency), que controla a Wigmo (Aviação de Combate Táctica do Congo), aviões B-26 e T-28, assegurou a Tschombé que se manteria neutra”.

Os conspiradores, que rodeavam e assessoravam Moisés Tschombé, consideravam, no documento programático citado, que era “impossível organizar um golpe de Estado em Leopoldville (hoje Kinshasa). Uma acção em Leopoldville, nas circunstâncias presentes, exigiria a utilização de forças numericamente importantes, sem possibilidades do efeito de surpresa e provocaria uma verdadeira guerra civil”.

Depois, candidamente, consideravam que o movimento alastraria por todo o pais, onde viviam etnias rivais, fazendo “ruir o poder de Mobutu, criando um conflito de lealdade e libertando todas as forças da oposição”. 

Leopoldoville, somente, seria alcançado depois da revolta alastrar.

Argumentavam os homens de Tshombé que, na ocasião, “o regime de Mobutu depende sempre mais do dispositivo interior organizado pelas influências de Leste e dos apoios exteriores provenientes das mesmas fontes” e enfatizavam: “é indispensável impedir o Congo, com Mobutu, de cair completamente sob a dependência da subversão”.

Para a efectivação logística do golpe, de acordo com o relatório da PIDE, estavam accionados os seguintes dispositivos:

“a) Dispositivo para aterragem no Katanga:
      
Em colaboração com a Union Miniere e aterragem num aeroporto do território dos Lundas, tribo de Tshombé, devidamente escolhido.

 b) Dispositivo na Europa:
     
100 homens em Lisboa e um avião Super.Constellation.
      
Na Bélgica: 1 avião DC7
      
Na Rodésia: 1 avião DC4 e 1 avião Heron bem como todos os fardamentos.
      
Em Luanda: As armas necessárias.

Os aviões e respectivos pilotos que vão aterrar no Katanga são unicamente rodesianos.

Todo o dispositivo está devidamente sincronizado para entrar em funcionamento 48 horas após recebermos a respectiva autorização.”

A “Execução” está assim enquadrada e sintetizada no documento da PIDE:

a) O DC7 estacionado na Bélgica  voa para Lisboa, toma 100 homens e segue para um aeroporto a indicar em Angola.

b) O Super-Constallation estacionado em Lisboa voa para as Canárias, toma o Presidente Tshombé e segue para o mesmo aeroporto dos 100 homens.

c) O DCe e o Heron estacionados na Rodésia voam para o mesmo aeroporto, transportando os uniformes, e se necessário o DC4 pode ir buscar as armas a Luanda.

d) Deste aeroporto parte o DC4 com 60 homens, o DC7 com os restantes 40 homens e restantes armas e o Heron com o Presidente Tshombé.

e) Aterra primeiramente o DC4 com os 60 homens, depois de instalados este 60 homens, aterra o DC7 e finalmente o Heron com o Presidente.”

O relatório da polícia política referia um pormenor, como “conclusão”, de manutenção do carácter encoberto da operação: retirá-la o mais possível dos olhos do Mundo.

E assim recomenda: “Em Angola apenas se pretende uma escala técnica de duas horas”.

A mesma recomendação do governo “branco” da Rodésia: “Não podem oferecer o seu próprio território – assinalava o relator policial – porque a espionagem inglesa imediatamente informaria o governo inglês, o que os colocaria em situação gravíssima. Tal não se dará no respeitante a movimento de aviões porque esse movimento é habitual e diário”.

Entre a documentação da PIDE existente na Torres do Tombo encontra-se uma mensagem cifrada, enviada de Luanda para Lisboa, a alertar que havia “fuga informações que se relaciona rádio”, nada mais explicando, e com um recado de confidencialidade: “segue carta avião hoje”.

Não parece que a fuga de informações reportada tivesse levado a abortar a operação, mas sim o facto de Mobutu ter conseguido espaço de manobra interno, endurecendo o regime e, acima de tudo, retomar uma aproximação aos países ocidentais, de quem se tornou um dos aliados mais firmes durante quase 40 anos até ser afastado do poder por Laurent-Desiré Kabilla, pai do actual chefe de Estado Joseph Kabilla.




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