domingo, 26 de fevereiro de 2012

EUA/IRÂO: VÃO HAVER MUDANÇAS GEO-POLÍTICAS?



      


  1 - Algo está a mudar nas declarações dos principais intervenientes na geopolítica do Médio-Oriente e Mar Cáspio, nas últimas semanas.


A mais importante, para mim, é a do chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas norte-americanas, general Martin Dempsey, que sublinhou, há dias, que o seu parceiro de confronto económico-geo-estratégico na região, o Irão", é um "actor racional", argumentando que - para ele, estratega político-militar norte-americano - "não está claro" que o regime iraniano "vai fazer uma bomba (nuclear) e com base nisso", precisou: "acho que é prematuro decidir exclusivamente que o tempo de uma opção militar chegou".


Nesta sequência, surgiram afirmações das agências dos serviços secretos norte-americanos a tocarem na mesma tecla. Não existe qualquer prova de que o Irão esteja a avançar para um programa nuclear militar. O mensageiro é o insuspeito jornal New York Times, um jornal do lobby judeu americano.


É estranho? Não é?


É que, por detrás do Irão, estão várias componentes, as mais importantes económicas (hoje, aquele país é um potentado energético), depois as relações militares estão a sofrer mudanças importantes (o militarismo norte-americano está a asfixiar a economia do seu próprio país), e, em terceiro, as intervenções das grandes potências nucleares, Rússia e China, estão, ainda que momentaneamente, em rota concorrencial com os Estados Unidos da América, face à importância geo-estratégica das matérias-primas primordiais do Mar Cáspio.


Um quarto ponto, talvez o mais significativo, no presente: a crise síria está a "gerir um número muito maior de condicionantes do que existíam no caso líbio", numa confissão, desenvergonhada, do ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino Unido, William Hague.


Finalmente, mas apenas como um aparte, o capital judeu sionista de Israel está a perceber que o seu isolamento é maior do que supunha. 


E os dirigentes sionistas do Estado israelita, como o Primeiro-Ministro, Benjamin Netanyahu, e o ministro da Defesa, Ehud Barak, que, há meses, pressionavam, com todos os pretextos possíveis, para a efectivação de um ataque ao Irão, sentem que o "chão" lhe está a fugir. E pedem contenção.


Na quarta-feira, no jornal do lobby judeu norte-americano New York Times, Efraim Halevy, ex-chefe máximo da MOSSAD, adverte para o perigo, que representa, neste momento, e isto no que diz respeito à sobrevivência de Israel, um ataque aos complexos industriais nucleares do Irão.


E, porquê, na perspectiva deste chefe-mor da secreta israelita, uma eventual movimentação "descontrolada" contra a Síria, revolucionaria tudo à sua volta.


(Curioso, para quem goste de analisar estas coisas, os chineses estão a construir, neste momento, uma das maiores auto-estradas de Israel!!!).



2 - Significam estes indícios que o assalto imperialista ocidental aos mercados energéticos do Médio-Oriente e do Mar Cáspio irão diminuir. 


Penso que não. Ir-se-á refinar porque as rotas das energias (oleodutos e gasodutos) estão a sofrer alterações de vulto, de maneira evidente na área do Mar Cáspio.


Há reformulações geo-estratégicas, possivelmente, até de alianças naquela região do mundo, que apontam que, possivelmente, neste ano, vamos assistir a mudanças drásticas em toda a região.


A chamada "Primavera árabe" está a trazer mais dores de cabeça para o Ocidente, Rússia e China, do que pensaram quando estimularam os "movimentos internos" desde Marrocos até à Síria.




Quer na Túnísia, quer no Egipto, as eleições foram ganhas por forças políticas religiosas, construídas, essencialmente, em torno das chamadas "Irmandades Muçalmanas", que, na prática e como se pode ver no terreno, foram financiadas pela Arábia Saudita.


Embora, esta última seja uma aliada de Washington, tem também uma agenda própria, agenda esta que está muito ligada à sua tentativa de sobrevivência como regime teocrático e ditatorial na região.


Mas, também ganharam protagonismo forças político-religiosas, como os salafitas, que estão muito ligados ao Irão. Há, nesta contenda, uma potência nascente regional muçulmana, que é a Turquia, que pretende interferir em toda a região (muitos dos povos com os azeris e os iugures, entre outros, têm uma ligação aos turcomanos), mas surgem, como potência, com um óbice para os seus correlegionários, quer sejam sunitas ou xiitas. Está ligada à NATO e aos norte-americanos.


Todavia, a crise na Síria e a presença crescente naval na região do Irão, por um lado, e da Rússia e China, por outro, na região (não esquecer que o governo chinês tem 25 navios de guerra entre a Somália e o Golfo Pérsico!!!), embaraçou a Turquia, e, isto porque a intervenção turca no interior do território sírio já levou à captura de perto de 100 "homens das tropas especiais" de Ancara, sendo que, na sua maioria, segundo a imprensa local, pertencem aos serviços secretos.


Ora, a passagem e presença de navios de guerra iranianos ao longo da costa mediterrânica, que abrange a Síria, Israel e a própria Turquia, é um sinal dado por Teerão de que uma nova potência - ainda que regional e incipiente - está a dar a cara aos seus possíveis concorrentes.


Um alto político iraniano foi muito explicítico (embora com alguma dose de demagogia): a presenças de esquadras navais da Rússia e do Irão, quer no litoral líbio-egípcio, quer na Síria "é uma mensagem forte contra qualquer possível aventureirismo dos EUA".


"No caso de os EUA cometerem qualquer erro estratégico na Síria, há real possibilidade de que o Irão, a Rússia e vários outros países ripostem com força esmagadora contra os Estados Unidos", acrescentou o mesmo político.


Este é que é o busilis da questão: Quem cometer um erro - passagem da diplomacia para a guerra, não se terá uma percepção, no imediato, quem terá os estragos mais elevados e quem necessitará de empregar mais meios militares e mais violentos. 


A prazo, sabe-se que os EUA poderão vencer. 


Mas, antes desse prazo, poderão ficar sem homens para levar para a frente, e aqueles que estão em países ocupados da zona poderão perder os "laços" hierárquicos com o centro, Washington. 


(Quem esteve na guerra colonial na Guiné sabe, de experiência própria, como o general Spínola teve de abandonar a guerra, de calças na mão, em 1973, porque as tropas já não lhe obedeciam).


Claro que a Rússia joga aí com a sua habitual política de duas faces: não quer a presença maciça ocidental, mas também pode deixar cair os seus aliados ocasionais, como o Irão e a Síria, em troca de vantagens de "ascensão" na liderança mundial.


A questão, todavia, do ponto de vista geo-estratégico-militar, é o precedente que se criou.


Na realidade, as águas marítimas do Mediterrâneo magrebino na última década e do Mar Negro e Golfo Pérsico eram um "quintal" das forças ocidentais, capitaneadas pelos EUA, que, com uma simples ameaça, obrigava os seus potenciais oponentes a conterem-se nas movimentações e exercícios militares.


Hoje, o Irão, que foi martirizado, entre 1980 e 1990, por uma guerra conduzida pelos EUA, por interposta personagem que abandonaram, Saddam Hussein, do Iraque, faz zarpar parte da sua esquadra pela costa mediterrânica junto a Israel e faz questão de enfrentar - ainda que em palavras, mas não só - a única potência militar exterior à região os EUA.


Tempos atrás, o Egipto, fiel submisso a Washington e em concluio com Israel, impedia a passagem de navios de guerra iranianos pelo Mar Vermelho. 


(As autoridades político-militares do Egipto vão levar a julgamento um conjunto de "cooperantes" de ONG (Organizações Não Governamentais) norte-americanas a operarem naquele país, que interferiam e organizavam as "manifestações" anti-governamentais).


Desde a queda de Mubarak, a Marinha de Teerão já navegou duas vezes pelo Canal do Suez.


A propósito da crise na Síria, é real que a influência, quer da Rússia, quer do Irão, aumentou na região.


Naturalmente, em território sírio, estão "conselheiros iranianos", como também devem estar russos e chineses. 


Os Estados Unidos (e Israel) temem certamente este avanço, que poderá ser maior, com uma internacionalização crescente do conflito. 


Temos de nos inquirir: qual a razão, porque o Egipto "abre mãos" da sua antiga hostilidade ao Irão? 


Será porque as forças da "Irmandade Muçulmana" estão demasiadas ligadas à Arábia Saudita? Ou será que pretende "rever" a sua "asfixia" pelos norte-americanos? Porque será que o comando militar que governa o Egipto atira com "as culpas para mãos estrangeiras" face à continuidade das movimentações populares no país?  Porque será que a Irmandade Muçulmana, vencedora das recentes eleições legislativas, ameaçou rever o Tratado do Sinai, assinado em 1979, por Sadat e Beguin, com a intervenção do ex-Presidente dos EUA Jimmy Carter?


Os indícios apontam para novas relações geo-estratégicas na região.


3 - A crise capitalista financeira de 2008 trouxe repercussões imediatas nos Estados Unidos, e por arrasto, em quase todo o mundo capitalista mundial, incluindo a China, como estrutura económica de capitalismo de Estado.


No confronto concorrencial, que se estabeleceu no mundo, o centro financeiro de Wall Street, em cumplicidade directa com a City Londrina, e os seus capatazes governamentais ingleses (conservadores e trabalhistas) virou-se para a União Europeia, a potência económica mundial em ascensão, com a moeda mais poderosa e atractiva. 


Esta UE, com pés de barro na sua componente militar e diplomática, e na sua autonomia financeira, sofreu - e ainda sofre - uma dos mais ferozes e concentrados ataques de morte entre grupos capitalistas, que se dizem aliados e amigos do peito.


Concorrência, certo, mas também conjução para se salvar do descalabro.


Eles estão, de um lado e doutro, na mó de cima, estão a controlar toda a crise que se abateu sobre eles, e eles fazem-no sentir sobre as classes exploradas, mas abriram a caixa de pandora: houve uma mudança radical nas relações inter-capitalistas.


Os EUA tiveram de retrair a sua ânsia imperialista feroz, minados por uma debilidade que está a vir, novamente, ao de cima, no seu sistema financeiro. 


Mas, tal não significa que a voracidade do complexo industrial-militar não empurre os representantes políticos para a guerra, como forma de "avançar no meio dos destroços". Todavia, os tempos estão a mudar.


Seria exaustivo, neste texto, desfiar a situação actual do sistema bancário e segurador nos EUA, que pode ser consultado nos resultados dos próprios bancos, bem como nos relatórios da Secretaria do Tesouro e até da Reserva Federal (FED).


Estão, em certa medida, a virar-se para dentro, para uma certo proteccionismo comercial, ao mesmo tempo que os países capitalistas, chamados emergentes, como a Rússia, China, Índia, Brasil e Paquistão adquirem uma projecção maior nas actividades do capital e do comercial mundial


E nesta conjuntura é que se deve analisar a evolução da União Europeia. Ela resistiu, como entidade económica capitalista, pois teve a flexibilidade suficiente para ultrapassar as suas dificuldades institucionais. O seu incremento futuro irá ser ditado, pela modificação total da capacidade de se modernizar em democracia.


Mas, também foi na UE que os mecanismos de auto-defesa e mudança se produziram, porque o poder económico (e certamente político) sentiu que, por detrás desta pressão, está a possibilidade de uma forte contestação popular.








Infelizmente, esta contestação é fragmentada, e não está apoiada num programa político estruturado de ruptura.


O atraso entre a teoria e "praxis" é grande, como grande é a ausência de uma organização supracional europeia revolucionária.


Os tempos vão determinar o que vai surgir: fascização, democracia ou revolução. E a Europa é o centro de toda esta capacidade de mudança.

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