sábado, 13 de novembro de 2010

CIMEIRA DA NATO: "MAIOR CAPACIDADE EXPEDICIONÁRIA"





Lisboa vai ser palco, a 19 e 20 deste mês, de uma Cimeira da NATO, que os seus promotores sustentam vir a ser “histórica”, pois, através do que se apelida poder vir a ser uma parceria, nela vai estar presente o Chefe de Estado da Grande Rússia, Dmitri Medvedev.

Para ser discutido, além dos negócios que estão na ordem do dia na política internacional – não é por acaso que nesta reunião vai estar presente o director-geral do FMI -, o “primordial”, nas palavras do secretário-geral da instituição, um antigo primeiro-ministro dinamarquês, de nome Andres Gogh Rasmussen, será a definição teórica – e essencialmente prática – de “um novo conceito estratégico” para a NATO.

Este “conceito” está contido, para apreciação, e a notícia proveio da Agência France Presse, naquilo já foi distribuído como “um primeira versão, com uma dezena de páginas” aos embaixadores dos países membros em Bruxelas (sede da instituição). E depois, analisadas pelos ministros encarregues das pastas militares.

Uma versão mais completa e que tenha já em conta as observações dos aliados será depois submetida aos chefes de Estado e de Governo na cimeira de Lisboa.

Em Abril de 2009, - continuamos a seguir a AFP -, os dirigentes da NATO, reunidos em Estrasburgo (França) e Kehl (Alemanha), decidiram promover uma revisão do «conceito estratégico» tendo em vista as «ameaças actuais» e «os riscos do futuro».

Entre as ameaças a considerar, Rasmussen apontou os mísseis balísticos, a proliferação de armas de destruição maciça e os ataques contra redes informáticas.
Num relatório de 46 páginas intitulado NATO 2020: uma segurança firme, um compromisso dinâmico, entregue a 17 de Maio, um grupo de 12 peritos, presidido pela antiga secretária de Estado norte-americana Madeleine Albright, (reparem na personalidade), formulou várias sugestões para o novo conceito estratégico.

Um dos pontos principais do relatório, que inspirou Rasmussen, foi a transformação da NATO, a partir das lições a tirar do Afeganistão, numa organização “com maior capacidade expedicionária”. (sublinhado meu).

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN – sigla francesa – NATO – sigla inglesa) nasceu como uma organização militar de intervenção, fomentada, em 1949, pelos Estados Unidos da América, para garantir o que Washington chamava “a defesa do eixo Atlântico Norte”, enquadrando o Canadá, seu vizinho, e subordinando os países da Europa Ocidental à política norte-americana de “conter o avanço do comunismo”, que, objectivamente, situava numa zona fora desse território: A URSS e os países do Leste europeu, que ficaram sob a tutela daquela.

(De registar que o Pacto de Varsóvia, somente foi criado em 1955, quando a NATO tentava imiscuir-se nessa região).

Mas, relevemos, a NATO formou-se, primeiramente, para suster, com urgência, a possibilidade de levantamentos revolucionários de cariz socialista em toda a zona de maior desenvolvimento económico e político no mundo que era, justamente, a Europa.

Com o final da guerra, e após a imposição de “blocos”, realizados em Teerão, Ialta e Potsdam, que as potências ganhadoras da II Grande Guerra – Os EUA e a antiga URSS/ a Inglaterra e a França não contavam para o efeito – desenharam, o que estava em “jogo”, para o capitalismo ocidental, monopolizado, na altura, por Washington, eram as eventuais mudanças de regimes na Europa Ocidental, em particular, Grécia, França, Itália e Alemanha.

Ora, a preocupação principal da NATO, nessa fase inicial - 1949-1955 – foi, pois, a de evitar que os Partidos Comunistas da Grécia, França, Itália e Alemanha tomassem o poder.

O germe embrionário dessa “preocupação”, que começou ainda na fase decadente da II Guerra, e que ditou a formação posterior da aliança militar, teve como primeiro objectivo a Grécia, quando já se estabelecera um “pacto de não agressão” com a URSS stalinista.

Entre 1944 e 1946, os guerrilheiros da resistência grega tiveram na mão, praticamente, o poder no país, mas a Inglaterra, com o apoio dos EUA, procurou impor o governo no exílio pró-monárquico, como legítimo. Os britânicos controlavam apenas, militarmente, as cidades de Atenas e Salónica, o resto estava nas mãos dos “partizans”, liderados pelo PCG. Em Fevereiro de 1945, por intervenção de Stáline, que pressionou os comunistas a assinarem um tratado (Pacto de Varkiza), os monárquicos comprometeram-se a efectuar eleições, sob a supervisão dos…aliados ocidentais. O referendo foi ganho, claro, pelos monárquicos em 1946.

Os guerrilheiros, defraudados, reiniciaram o conflito, a partir da Macedónia e do Épiro, e começavam a reocupar o terreno. O governo monárquico, sem base social de apoio, permitiu a intervenção militar dos britânicos, que não conseguiu controlar a situação, tendo recorrido ao apoio castrense dos EUA. Foi um apoio maciço, não só em armas, mas igualmente em dinheiro. A URSS optou pela “neutralidade”, deixando, deste modo, cair os “partizans”.
(Esta neutralidade não era inocente: além dos pactos assumidos com Churcill e Roosevelt, Stáline não se queria confrontar com Partidos Comunistas instalados no poder em Estados de capitalismo desenvolvido. Mas isso é outra questão).

A segunda intervenção deu-se em Itália. Também aqui, com a cumplicidade da URSS. O PCI, que foi o motor da resistência interna ao fascismo de Mussolini e à ocupação nazi de Hitler, era, em 1944, a principal força armada oposicionista.

Por pressão da União Soviética, Palmiro Togliatti, secretário-geral do PCI, forçou o desarmamento dos “partizanos”, que não o queriam, em troca de ser aceite pelos aliados ocidentais num governo de “ampla unidade nacional”.
Deram-lhe o cargo de Ministro da Justiça num governo provisório. Caminhava-se para o final da II Grande Guerra. Depois no governo do general Pietro Badoglio, foi Ministro sem Pasta, em 1945, num executivo do recém-formado.

O Partido Democrata-Cristã, fomentado pela Igreja Católica e pelos EUA, liderado pelo católico Alcide De Gaspari ocupou, seguidamente, o poder, em aliança com os comunistas. Togliatti ascendeu a vice-primeiro-ministro.

Contra a opinião do seu partido, Togliatti, com o assentimento da liderança do Kremlin, decidiu incluir o Tratado Latrão na Constituição da nova República italiana. Nas eleições gerais de 1946, o PCI obteve perto de 28 por cento votos. Era a segunda força do país. Em 1947, foi aberta uma crise política para afastar os ministros indicados pelo PCI, mas em 1948, já com a República instaurada, aquele partido sobe para 31 %.

As forças internas e externas organizam um atentado contra Togliatt, que ficou gravemente ferido. De imediato, a principal central sindical, a Confederação Geral do Trabalho convocou uma greve geral. O PCI estava em ascensão e admitia-se a tomada do poder. Foi, novamente, Togliatti que pediu aos seus apoiantes para baixarem os braços.

Na França, igualmente as forças guerrilheiras da Resistência, lideradas pelo PCF, tornaram-se a principal base armada da oposição (teriam perto de 170 mil homens armados- Charles Tillon).
Maurice Thorez, com a conivência da URSS, mandou desarmar os “partizans”, que lhe eram afectos para participar num governo de aliança. É Ministro da Administração Pública. Chegará a ser vice-primeiro-ministro e o PCF o primeiro partido eleitoral de França, com quase 30 por cento dos votos. Mas, em 1947, uma crise forjada afasta-o do governo, bem como aos restantes ministros indicados por aquele partido.

A chamada Guerra Fria inicia-se, justamente, nesta data, e apoia-se na *doutrina Truman*, que preconizou a luta contra” a expansão soviética”.

Embora não existisse, nesta altura, formalmente, uma estrutura militar que fizesse frente “ao avanço da URSS”, tanto os EUA, como a Grã-Bretanha, através dos seus serviços secretos, CIA e MI6, respectivamente, organizaram “forças para-militares” para impedirem os PC`s ocidentais de chegarem ao poder.

A mais conhecida foi a chamada Operação Gládio, uma acção que percorreu, praticamente, todos os Estados europeus, desde Portugal até Grécia, que estabelecia a organização de “combatentes secretos”, com armamento e dinheiro, capazes de suportar uma eventual invasão do Pacto de Varsóvia, bem como a “subversão interna”.

Na sua origem, estaria Allen Dulles, um dos fundadores dos serviços secretos norte-americanos, que viveu muitos anos na Europa, com estada prolongada na Suíça, ainda no tempo do nazismo alemão.

Gladio foi, inicialmente, dirigida pelo Comité Clandestino para a Europa Ocidental (Clandestine Comitee for Western Europe - CCWC), fundado em 1948. Após a criação da NATO em 1949, aquele foi integrado no Comité de Planeamento Clandestino (Clandestine Planning Comitee - CPC), fundado em 1951 e dirigido pelo SHAPE - (Supreme Headquarters Allied Powers Europe), transferido para a Bélgica, após a saída da França do Comité Militar da instituição. (A operação Gladio francesa permaneceu).

Entre 1949 e 1991, a NATO e o Pacto de Varsóvia co-existirem numa “entente” armada, que se multiplicou em actos, mais ou menos sórdidos, mais ou menos clandestinos, mais ou menos violentos, nos dois lados da Europa, mas, essencialmente, na intromissão nos assuntos internos de todos continentes, desde a América do Sul à Ásia, passando pela Oceania.

Foi um jogo de concorrência, entre blocos militares e económicos, que engrenavam na força. E essa força estava centrada no desenvolvimento, cada vez mais sofisticado, das Forças Armadas, ou seja, na evolução de todos as formas de dissuasão, que convencionais, quer ultra-sofisticadas, e neste campo, principalmente em torno do armamento nuclear e espacial. Ora, para implantar essa força é necessária riqueza, e em primeiro, lugar dinheiro.

Para conseguir essa acumulação de riqueza é preciso, além do mais, uma grande produção económica, que consiga satisfazer os apetites militares, por um lado, mas também, e por outro, uma competição mercantil capaz de ultrapassar o concorrente.
E neste campo, os EUA e os seus aliados, em especial a Europa, suplantaram, o outro lado, a URSS (e o seu campo económico privilegiado, o COMECON).

Deste ponto de vista, na nossa opinião, pode ser analisado uma das principais razões da desintegração da antiga União Soviética.

Mas, não só: o militarismo, que dominou as duas principais potências, e, em menor grau, os seus espaços territoriais geo-estratégicos, trouxe para os dois principais Estados em concorrência o “vírus” da sua decadência. Quer de um lado, quer de outro, a organização militar adquiriu, de maneira evidente, quase a finalidade da existência daqueles Estados (os complexos industriais-militares e os seus representantes castrenses, financeiros, empresariais, forjaram um poder de decisão sem qualquer contestação).
Tal facto, produziu despesa crescente, trouxe descalabros financeiros. Claro que a primeira “vítima” foi o Pacto de Varsóvia.

A desintegração deste trouxe, momentaneamente, a vitória para o bloco NATO, e de maneira evidente para os EUA, que se intitularam a única superpotência e “senhores do Mundo”.
Tornaram a instituição em arma de força crescente. Forçaram, e actuaram unilateralmente, mesmo juntos dos seus aliados, para um avanço crescente para Leste (anos 90) e conseguiram-no.
Hoje a NATO comporta a Albânia, Alemanha (apenas República Federal da Alemanha, antes da reunificação alemã), Bélgica, Canadá, Croácia, Dinamarca, Espanha, os Estados Unidos da América, a França, a Grécia, os Países Baixos, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal, Reino Unido, Turquia, Hungria, Polónia, República Checa, Bulgária, Estónia, Letónia, Lituânia, Roménia, Eslováquia e a Eslovénia.

Todavia, o desenvolvimento capitalista que os EUA impuseram à Europa ocidental produziu nos diferentes países que a compõem uma alerta de submissão.
Para obstar, à supremacia económica norte-americana, que determinava a esses Estados, não só a sua orientação económica, mas também política, um grupo pequeno, desde os anos 50, impulsionou a unidade económica dessa mesma Europa, que chegando aos anos 90 do século passado, se transformou, na realidade, na primeira potência económica do Mundo, conquistando, para o seu lado, os outros países de Leste, e evoluindo depois para a unidade política.

É essa Europa (a União Europeia), que está, hoje, no centro do furação, recebendo ataques de todos os lados para a fragmentar, contando com os agentes internos. E que procura uma unidade militar para se emancipar da tutela norte-americana. A luta surda, mas fratricida, percorre o interior da NATO entre europeus e norte-americanos.

É também, nesta altura, e por causa disso tudo, que a NATO se encontra numa encruzilhada, que se reflecte na busca de “uma estratégia” que não a destrua de imediato: como arma capitalista, todos esses Estados sentem que estão ameaçados, pois sentem a ameaça crescente da subversão dos povos, que pretendem constituir a sua própria soberania.

Daí, a invenção de uma “luta contra o terrorismo”, uma luta, aparentemente, abstracta, que não assenta num objectivo fixo territorial, mas que, na realidade, é a manutenção do militarismo para destroçar as lutas e reivindicações das classes assalariadas e dos povos que não se querem deixar dominar.

Por outro, é a necessidade do capitalismo ocidental em crise, em particular dos EUA, de avançarem para acções e, até guerras, locais, regionais de invasão e conquista.

A tal política “expedicionária” que o documento reflecte, mas que as experiências no terreno – Iraque, Afeganistão, Paquistão, Somália, etc -têm demonstrado ser um fracasso total.

Em grande parte, o descalabro financeiro de 2008 esteve ligado aos gastos monstruosos dos últimos 10 anos “nas expedições militares”. E mais grave para promotores capitalistas desta investida: as massas populares adquiriram uma certa consciência de que esse dispêndio não pode continuar e não se mostram dispostas a suportar com os encargos.

Por detrás, desta crise – financeira, económica, militar – está um espectro, que percorre esta Cimeira da NATO: podem chegar épocas de Revoluções.


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