sábado, 25 de setembro de 2010

AS MISERICÓRDIAS E OS VALORES MATERIAIS
















A solidariedade espiritual à custa do Orçamento de Estado





A 17 de Julho passado, escrevi um artigo a propósito de uma polémica, despoletada pelo presidente da auto-intitulada Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, que é um padre católico, chamado Lino Maia, denunciando cortes nos financiamentos às refeições servidas aos mais necessitados nos Ateliês dos Tempos Livres (ATL).

Agora, saltou para as páginas dos jornais, uma outra polémica, esta no seio da Igreja Católica, tendo como figuras centrais os bispos portugueses, por um lado, e por outro, os padres e outros hierarcas menores "civis", ligados à União das Misericórdias Portuguesas (UMP). O cerne visível é o desejo dos bispos de controlarem directamente as UMP, com a justificação que são instituições que devem estar na sua liderança. A razão real é outra: querem controlar os dinheiros das Misericórdias, pois estas fazem parte de um negócio rendoso e em ascemsão na sociedade portuguesa.

Embora com pressupostos diferentes, as duas polémicas estão interligadas: as instituições ditas de solidariedade social dão muito dinheiro a ganhar à Igreja, e em tempo de crise, os bispos pretendem colocar, directamente, a mão na massa.

Para perceber melhor o assunto, vou resumir o artigo escrito em Julho.

Em concreto, segundo o Jornal de Notícias, o hierarca da Igreja Católica, Lino Maia, denunciou, então, o envio de ofícios às instituições particulares de solidariedade social (IPSS), pelos centros distritais de Segurança Social, a anunciar o fim das comparticipações dos almoços.

A denúnicia até podia ser justa e verdadeira, face à política governamental de cortar os préstinmos de apoio social aos mais necessitados. Do actual governo pode esperar-se tudo.

Mas, então, porque aparecia o citado padre, apenas, a denunciar esta situação e não todos os cortes nos servições sociais aos necessitados?

Não se tem notado as críticas da Igreja Católica às políticas governamentais de redução dos salários, nem de aumento de impostos, nem de aumento do desemprego, nem se ouve qualquer voz alterada dos bispos portugueses contra os prémios chorudos dos administradores do Estado e privados, nem contra as reformas acumuladas dos altos funcionários e ex-governantes deste país.

O padre católico está (e estava) precocupado, sim, com as "restrições" ao envio de dinheiros públicos para os ATL, que são, na sua maioria, entidades e instituições controladas, directa ou indirectamente, pela Igreja Católica, que as gerem como sociedades anónimas.

O que parece estar a ser seguido é que o Estado e as Câmaras irão, através das escolas, fornecer as refeições - e, a confissão é de uma outro hierarca da Igreja Católica; Manuel de Lemos, presidente da União das Misericórdias, que tutela muitos ATL, "no acordo de cooperação de 2008 feito entre os parceiros (o sector público, sublinhado nosso) ficou combinado que à medida que as escolas passavam a dar as refeições, nós deixaríamos de o fazer".

(Ou seja, o controlo do dinheiro estatal para as refeições deixa de passar pela "gestão" dos apaniguados da Igreja, esta é a questão).

Neste momento, segundo a imprensa, a Segurança Social financia os almoços de 34 705 crianças, entre as 76.800 que frequentam os ATL.

Cada criança custa por mês 77,14 euros em refeições, uma valor que pode ser pago na totalidade pela Segurança Social ou outras entidades. Os pais também pagam uma parte da despesa, de acordo com os rendimentos do agregado familiar. (Ou seja, é dinheiro total em caixa dos senhores dos ATL)

Se se multiplicar, poder reparar-se nos números e na preocupações "caritativas" da Igreja Católica.

Mas, este é apenas um aspecto da actuação da Igreja Católica no altamente rentável sector da chamada "solidariedade social".

É certo que o Estado, como instituição que deve zelar pelo bem-estar mínimo da população, se demite de ser ele a entidade que deveria gerir e controlar esses ATL, mas, a realidade, é que a Igreja Católica exerce toda a sua influência, incluindo a política, através dos seus representantes no poder governamental, para os dominar e exigir que seja, aliás, o governo a sustentá-los.

E o caso não se restringe aos ATL, enquadra todo o sector apelidade de "Solidariedade Social".

Recorremos à Imprensa nacional para divulgar essa realidade.

O Orçamento do Estado para 2009 contempla uma subida de cerca de 10 % no apoio às Instituições Particulares de Solidariedade Social. Uma transferência social que ronda os 1100 milhões de euros, segundo informou, há um ano, o Diário de Noticias. (o sublinhando é meu).

Já repararam: mil e 100 milhões de euros.

E para onde vai este dinheiro?

As palavras ao destinatário: "Sem confirmar verbas, o Pe. Lino Maia, Presidente da CNIS, confirma afirma à Agência ECCLESIA ( a agência oficial da Igreja Católica em Portugal) a transferência e o aumento do apoio, que, na sua visão, significa o reconhecimento das IPSS (na sua esmagadora maioria sob a gestão da Igreja Católica.

“Elas são importantes, sem elas não há um significativo combate à crise e esta opção dá esse sinal”, acrescentou.

Continuamos com a ECCLESIA:

"O Presidente da CNIS aponta que o governo reconheceu que as instituições são um sector importante na economia social, que representa 4,3 % do Produto Interno Bruto (PIB)".

"No diálogo mantido entre a CNIS e o governo, foi pedido o apoio das IPSS para o alargamento das respostas de creches, sendo esta uma aposta na educação. 400 novas creches serão um investimento em “novos equipamentos, alguns já criados outros ainda a criar”, aponta o Pe. Lino Maia.

"O alargamento prometido pelo executivo ditava que 400 novas creches seriam criadas, em especial, nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. O Presidente da CNIS garante que não serão apenas estas as áreas contempladas e assume que as IPSS estão disponíveis para colaborar com esta medida. A colaboração será ao nível dos equipamentos. “Não será tanto novas instituições que serão criadas, mas vamos alargar os equipamentos a mais crianças”.

"O Pe. Lino Maia reconhece que novas instituições poderão surgir, mas “na maioria dos casos serão novos equipamentos”.

ATL, creches, lares de idosos, etc etc.

Claro que todo o sistema está hoje a servir a comunidade. São perto de 500 mil pessoas, que estão inseridas nessas instituições, que empregam cerca de 50 mil pessoas.

Surgirão interrogações e até críticas sobre a razão deste apontamento. Mas, a realidade é que o apoio aos mais desfavorecidos tem de ser praticado e controlado pelo Estado, e não ser objecto de negócio. Não se pode desfazer uma coisa que existe e está no terreno. Certo. Mas, uma outra política de Estado Social terá de obrigar o poder governamental a ser ele o gestor e o fomentador de toda essa actividade.

Presentemente existem a Confederação Nacional de Instituições Sociais (CNIS , a União das Misericórdias Portuguesas (UMP) e a União das Mutualidades (UM).

As IPSS assim que registadas adquirem o estatuto de entidade de utilidade pública (artigo 8º do Decreto-Lei nº 119/83 de 25 de Fevereiro) que acarreta para estas simultaneamente benefícios (isenções fiscais, tarifas reduzidas de água e electricidade, apoio financeiro) e encargos (prestação de contas, obrigação de cooperação com a Administração Pública, sujeição de tutela).

Em 2009, primeiro ano marcado profundamente pela crise económica e financeira mundial, foram criadas 30 novas Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) em Portugal.

Segundo o padre Lino Maia, presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS), "existem em Portugal mais de quatro mil instituições em grande actividade e não houve uma única que durante este ano fechasse portas".

Com um Orçamento que provem do Estado de 1.100 milhões de euros, a dividir por 500.000 pessoas, dá um valor anual de 2.200 euros por pessoa, sendo que uma parte substancial ( e não é pouco) das mensalidades das creches, das consultas, das refeições, dos lares, e outros, são pagas pelas famílias ou pelo próprios, pode imaginar-se os apetites que tais sectores despertam.

Aqui encaixa agora a questão das Misericórdias.
Nos últimos anos, elas proliferaram e tornaram-se centros de negócios rendosos na área da saúde, com o apoio estatal. As mais valias revertem, naturalmente, para os gestores das mesmas. É muito dinheiro, pois os hospitais privados, os lares, os servicos continuados de saúde e outros, passaram a serem cobiçados.

Como a divisão do bolo, pode fazer subtrair os dividendos e até os poderes estabelecidos. Daí a polémica. De um lado os bispos, do outros, os hierarcas menores, com a UMP por detrás.

Tudo em nome da "solidariedade espiritual". Não é?

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