terça-feira, 20 de julho de 2010

ESQUERDA E REVISÂO DA CONSTUIÇÃO: QUE PODER?







A Constituição de 1976 ainda reflecte sonhos e projectos


O PSD atirou, nos últimos dias, para a imprensa, indicíos de projectos ou ante-projectos do que afirma ser a sua proposta de revisão constitucional, cujo centro nevrálgico se situa nas questões económicas e sociais, que enquadram, precisamente, na abertura total ao domínio de classe do grande capital, quer nas relações sociais de trabalho, quer na penetração total do capital financeiro no controlo empresarial da saúde, da educação e segurança social.

Esta ofensiva claramente contra-revolucionária é um corolário sequencial de uma derrota progressiva de uma quase revolução (1974/75), quase revolução esta que conseguiu erguer uma Constituição de cariz burguês avançado, que impôs algumas leis e regulamentos de carácter revolucionário, nomeadamente para satisfazer reivindicações progressistas para as classes assalariadas.

Claro que este período conturbado, fortemente pré-revolucionário, não conseguiu atingir a fase socialista, como ficou inscrita na Constituição de 1976, porque o poder não foi alcançado por um partido revolucionário, mas os seus legisladores, que representavam a burguesia liberal, não tinham força, como força social de facto, para ultrapassar uma ameaça latente - ainda que dividida - das classes trabalhadoras.

Aquelas, embora sem terem capacidade para conquistar e destroçar o poder de Estado, deixado pelo regime derrubado em 25 de Abril de 1974, tiveram um papel importante e determinante para "empurrarem" os representantes políticos maioritários da Assembleia Constituinte para emitirem uma mescla de leis que serviam os interesses reivindicativos dos assalariados.

A recomposição do poder do Estado Novo através de um marcelismo liberal, que o falecido Chefe de Governo Marcelo Caetano não conseguiu impôr, está, agora, a atingir esse patamar, pois os partidos liberais de 1976 (que até marxistas se apelidaram) estão agora a forjar uma frente contra-revolucionária, que adquire uma certa projecção, pois nunca se confrontou com um verdadeiro partido de um novo poder revolucionário, de um socialismo revolucionário.

Claro que que nota descontentamento, que existe uma memória inserida em certas camadas populares de que os dois/três anos do pós 25 de Abril foram marcados por um certo progresso revolucionário, nas formas embrionários de poder de base, nas lutas reivindicativas que obrigaram os capitalistas a fugir do país e alguns às prisões por reais desvios e fugas de capitais. (Claro que houve exageros, mas esses também existiram na ruptura da Monarquia em 1910, e, além do mais uma mudança radical de poder não se faz com panos quentes).

Quem fomenta as revisões drásticas dessa Constituição tem noção de que não foi propriamente uma revolução que foi destroçada, mas sim os projectos obscuramente pré-revolucionários, que conviviam, em governos provisórios, com representantes directos do Capital, encabeçados por Sá Carneiro e Mário Soares, e um corte drástico com essa Lei Fundamental pode fazer saltar fantasmas mais actuantes das relações sociais que, embora ameaçassem ruptura e até guerra civil, nunca atingiram frontais conflitos classistas. Algo pode amadurecer, pois, nos próximos meses. Há uma crise económica, financeira, social e política.

É desse modo que João Calvão da Silva, um dos antigos governantes queridos do actual Chefe de Estado, um dos "pais" desse projecto de revisão constitucional, argumentou que o PSD não propõe alterar o preâmbulo da Constituição.

"Não é alterado porque é datado. O que lá está, como a sociedade a caminho do socialismo, toda a gente percebe que é para ser lido historicamente. É um texto que traduz uma história, portanto, a história mantém-se", argumentou, cinicamente, o presidente do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD.

O que é preciso colocar neste debate em torno da revisão constitucional é, pois, a questão do poder.

E a chamada esquerda, os que se auto-intitulam de tal na sua propaganda (PS, PCP e Bloco de Esquerda) - que eu não consigo discernir o que as diferencia nos programas políticos de poder - para dar corpo a uma alternativa de progresso revolucionário face às propostas em jogo, tem de se definir.

É natural que se verifique uma certa "timidez" na crítica ao processo contra-revolucionário que se seguiu à Revolução de Outubro de 1917 na Rússia - e as suas sucedâneas programáticas idênticas, desde a China a Cuba, passando pela Albânia -, mas será dessa crítica, da assunção contra-revolucionária do seu percurso, das investigações em torno das suas fraquezas, sem procurar eudeusar algo que produziu retrocessos históricos na assimilação (e até rejeição) entre sectores importantes das classes trabalhadoras da alternativa futura do socialismo, que se irá forjar um novo programa partidário socialista.

A esquerda tem de apresentar e definir o objectivo final da sua acção política. Ora, isso é que irá clarificar uma mensagem de Esquerda que hoje é amorfa, obscura, situacionista.

Claro que esta definição não pressupõe restrições à luta por reivindicações reformistas e pela liberdade, compromissos, buscas de alianças, um trabalho abnegado e permanente parlamentar. Nem o poder actual indicia uma ruptura iminente de regime. Nada disso.
Mas o que é progresso significativo, clarificador e marcante é a definição do objectivo final.

Eu penso que, nos tempos actuais, essa definição clarificadora, não deve ser apenas de Portugal, mas de toda a União Europeia, onde se esboçam e emergem situação de conflitos, reivindicações e mesmo actividades políticas que podem ser unificadas e canalizadas para ultrapassar muito chauvinismo nacional que permanece entranhado nos sectores laborais.

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