quinta-feira, 17 de junho de 2010

O PAPEL DO BES, NA VISÂO DE RITA FERRO







Uma posição arrojada de Rita Ferro, mas, certamente, os Espírito Santo continuarão a orientar-se pela sua divisa: quanto maior for a força do dinheiro, maior é a minha força.











Li, pela primeira vez, de modo enviesado, o texto, que transcrevo abaixo, da escritora Rita Ferro, e não lhe deu muita atenção. Pensei cá para mim: zangaram-se. Mais tarde, fui reler, e reparei que havia, sinceridade, na escrita.
Conheço algumas obras de Rita Ferro, mas não sou um seu leitor assíduo. A úniva vez que a vi - e digo só a vi - foi, em Luanda, nos meados dos anos 90, num recepção na sede da União dos Escritores Angolanos, que ela visitou e eu estava ali em serviço profissional jornalista.
O texto inserido na jornal Expresso, na última semana, merece um comentário, que farei no final.

Carta Aberta à Família Espírito Santo – Rita Ferro

"Cresci a ouvir falar da vossa família com urna reverência quase tão mística como a matriz bíblica do nome que vos designa. Em 1931, o vosso avô Ricardo foi mecenas de uma obra social fundada por minha avó, e é em nome dessa memória afectiva que venho hoje galvanizar-vos.


Sabem? Herdeira genética do salazarismo, mas penitente pelos efeitos do seu regime, sinto-me hoje ludibriada por ter dado o benefício da dúvida a quem se perfilou na defesa das suas vítimas para agora as defraudar, apropriando-se de todos os tiques, luxos e vassalagens que, rusticamente, se associam à direita, e de que toda a Esquerda persistente deveria, ao menos, recatar-se.


Na verdade, devo a meu pai tudo o que sei de política: “Nenhum sistema ou nenhuma ideologia pode hoje considerar-se a salvo de suspeita”. Lição breve, mas que sobra para enxergar quando me enganam: o nosso primeiro-ministro está mais preocupado em encobrir o lóbi argentário que o assedia do que em escorar Portugal contra a calamidade mundial que afundará, em primeiro lugar, economias frágeis corno a nossa.


Todavia, presenciar os ultrajes a que se presta - sem saber ou poder defender-se - não é um espectáculo menos triste do que assistir à demissão dos portugueses que, lesados, falidos e ultrapassados por jogadas de bastidores, contam anedotas para expurgar a impotência.


Sei que sabem: as “classes” acabaram finalmente, não por promessas de Abril ingénuas nesta matéria - mas porque tanto operários com os intelectuais se irmanam hoje no garrote da penúria para que meia dúzia de plutocratas possam beneficiar-se com o que, em justiça, caberia a todos, segundo os chavões humanistas de que sempre se socorrem para burlar os eleitores.


Diverso, o vosso caso: o que se ouve neste momento, nas vossas costas, tanto nas salas como na rua, é que a força deste Governo não lhe advém dos cabelos, como em Sansão, mas da retaguarda que o vosso Grupo lhe assegura para acautelar negócios que, com o álibi das metas europeias e a promessa de retornos delirantes, vão cavando a nossa sepultura.


Refiro-me, claro, a todos estes investimentos - inoportunos nos prazos - em que Sócrates vem embarcando, com a chancela de consórcios financeiros onde, surpreendentemente, consta sempre o vosso Grupo: novas redes de auto-estradas, pornográficas para quem não tem que comer; o TGV para Madrid e a extravagância de urna terceira travessia sobre o Tejo; um aeroporto importante do ponto de vista logístico e estratégico, mas sem tráfego que justifique um projecto faraónico.


É, pois, na qualidade de patriota angustiada, que vos rogo que recordem o seguinte a quem, de entre os vossos - tão endividado como nós, e a outra escala - possa também ressentir-se. Ao contrário do vosso Grupo - e doutros, claro, mas com menos pergaminhos – não teremos a Suíça como abrigo quando a lâmina da bancarrota nos cortar a jugular, pelo que será aqui mesmo, em solo lusitano, desonrados e perecendo entre escombros, que exalaremos o último suspiro.


Se nem isto os demover, pois então que se perfile, coerente, a fé cristã da família: estão em causa montantes capazes de salvar, literalmente, milhares de irmãos da desonra, da doença, da morte nos hospitais, sem cama nem assistência, e do recurso ao suicídio para o qual a Estatística nos tem vindo a alertar e que disparou, em flecha, desde o princípio da crise.


Confiem: lembrar-lhes isto seria o acto mais nobre de lealdade a Portugal, tratando-se de um Grupo que, desde o Estado Novo até hoje, tem podido prosperar graças à indulgência de todos os governos e à vista grossa de um povo já exangue.


Dirão que o GES está no seu papel e que cabe a Sócrates prevenir-se; direi eu, que estou no meu, que me cabe defender a minha pátria de quem quer que a ameace”.

Rita Ferro, escritora – in “Expresso” – 12 Junho
Tenho de elogiar esta tomada de posição, precisamente, porque provem de uma pessoa - neste caso concreto uma intelectual - que não esconde o seu passado, nem o renega, mas constata a realidade das coisas. Ora, o seu realismo leva-a a verificar, justamente, que o capital banqueiro, neste caso na situação concreta do BES; esteve sempre por detrás dos regimes que nos têm governado. Daí, para mim, a sua importância.
A Rita Ferro, que se mostra preocupada, como "patriota indignada" contra o papel desempenhado pelo grupo BES, implora-lhe que mude de caminho.
Aí, assim o penso, ela auto-limita-se na sua apreciação: ela sabe, como eu, que o Capital não tem Pátria.
E os negócios do BES, descobertos nos últimos anos, demonstram isso à saciedade. Anos atrás, uma investigação feita pelo Senado dos Estados Unidos "às contas-fantasmas" do antigo ditador chileno Augusto Pinochet detectou a exeistência de perto de 100 contas, que constituiam "lavagem de dinheiro" em vários estabelecimentos bancários, nomeadamente no norte-americano Banco Riggs, no Banco do Chile, no Citicorp e no português BES (Florida). Só nesta dependência do BES, foram depositados, entre 1991 e 2000, cerca de três milhões de euros em nome de Pinochet.
Mas, o BES também foi indiciado num dos processos do caso "mensalão" do Brasil e teve uma investigação às contas da dependência de Madrid, ordenada pelo juiz Baltazar Garzon.
A natureza do grupo não vai mudar, nem retrair-se, mesmo que eles tenham apego "a sua fé cristã".
O dramaturgo inglês William Shakespeare sustentava, já no século XVI, possivelmente quando se iniciavam os primeiros judeus Espírito Santo nos negócios, que o dinheiro, e a busca contínua de mais dinheiro: é a prostituta universal, o alcoviteiro universal dos homens e dos povos.

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