quarta-feira, 23 de junho de 2010

AFEGANISTÂO: OS AZARES DA GUERRA TRAZEM UMA MUDANÇA PROFUNDA DE ESTRATÉGIA?







Terá sido só a substituição de um general?










O Presidente dos Estados Unidos da América, num gesto teatral, afastou, ontem, o comandante militar norte-americano e da NATO em serviço no Afeganistão, general Stanley McChrystal, e, nomeou, em sua substituição, o general David Petraeus, que dirigia o comando central castrense daquele país.

O motivo imediato para a substituição do general, que, segundo a própria Casa Branca, foi o "estratega" da política militar e civil no terreno, em sintonia com Barack Obama, foram declarações proferidas por McChrystal à revista norte-americana "Rolling Stone", onde aquele criticava, abertamente, ou através de adjuntos, quer o Presidente, quer o vice-Presidente Joe Biden, quer, principalmente, o enviado civil para acompanhar as questões afegã e pasquitanesa, um antigo membro do governo Clinton chamado Richard Holbrooke, diplomata e banqueiro,proeminente membro do lobby judaico e destacado dirigente do grupo Bilderberg.

O general Stanley McChrystal, embora aparentemente se diga solidário com a orientação presidencial para o Afeganistão, há cerca de um ano, enviou um "relatório confidencial", que apareceu, mais tarde, no jornal Washington Post, a sublinhar que "sem um reforço do contingente militar, a guerra contra os rebeldes terminará em fracasso".

Ora, a realidade afegã - e em certa medida a paquistanesa - aponta para um continuado descalabro militar norte-americano, com os seus principais aliados da NATO a impôr limites de permanência no terreno da guerra muito apertados.

Por um lado, os reforços pedidos não surgem, e isso está ligado também à deterioração interna política e militar no Iraque, de onde seriam retirados os soldados para "tapar" a ocupação afegã, por outro, o progresso castrense de ocupação norte-americana (e já agora da NATO) está a produzir muitas baixas e uma fraca implantação no terreno operacional.

Naturalmente, o general McChrystal está (e estava) a par desta situação, e, como todos os generais políticos norte-americanos, que estão a par da realidade económica do país, deve ter feito a seguinte pergunta: Que lucro tiram, na realidade, os Estados Unidos da América da presença e ocupação militar dos Afeganistão?

Como retorno imediato de dinheiro, a Administração norte-anericana não vê um tostão, até porque as receitas do Estado (mas existirá realmente Estado?) afegão não existem. O que acontece, naturalmente, é que, desde a invasão, em 2001, os contribuintes norte-americanos apenas têm desembolsado avultadas e enormes verbas, que, na maioria dos casos, têm ido parar ao bolso de uns quantos.

Os EUA mantêem no Afeganistão cerca de 50 mil soldados (juntamente com alguns milhares de países da NATO, incluindo portugueses), mas tem ao seu serviço um número maior - jornais norte-americanos apontam para um valor de 100 mil "civis" - de assessores, agentes secretos, membros de empresas de segurança e outros, que custam valores astronómicos (e, muitas das vezes não controlados), a que se acresce as despesas posteriores com os soldados mortos e estropiados.

Em Maio de 2009, o presidente Barack Obama, enviou ao Congresso uma proposta (depois aprovada) do Orçamento da Defesa para o ano fiscal de 2010, que teve início em Outubro desse ano.

Pela primeira vez, neste Orçamento, os gastos com a Guerra do Afeganistão tornaram-se maiores do que os dispendidos com a Guerra do Iraque.

No documento aprovado, o valor total destinado ao Departamento da Defesa foi de cerca de 664 mil milhões de dólares.

Desses, 130 mil milhões de dólares são destinados para o financiamento directo das guerras: 65 mil milhões para a do Afeganistão e 61 mil milhões para a do Iraque. Há também previsão de gastos com ajuda ao Paquistão.

Ora, desde que assumiu a Presidência, Obama prometeu um reforço de 21 mil soldados para o TO afegão. Ora, este número nunca foi atingido. Houve, realmente, transferências, mas os números reais foram inferiores.

Até porque no Iraque devem estar perto de 140 mil militares (e um número da ordem de 200 mil de "civis"). Obama disse no principio do ano que, até Agosto de 2010, sairiam, progressivamente, do Iraque perto de 90 mil homens. Não consta que este número esteja a ser praticado.

Ora, os 65 mil milhões de dólares para o Afeganistão (o valor é muito mais elevado, pois são canalizadas verbas, possivelmente, idênticas de outros Ministérios) representam 35% do total das despesas feitas pelos EUA desde a invasão do país.

No caso do Iraque, o valor é 7% dos 860 mil milhões gastos desde 2003.

Claro, que não se sabe, por enquanto, se já existiu um pedido de recursos suplementares (e esta questão pode estar na origem do diferendo com o general substituido) nos últimos meses.

A Administração de George W. Bush era useira no sistema. Em 2009, o valor inicial de 66 mil milhões subiu para 142 mil milhões com os pedidos suplementares.

Já com Obama, em Maio de 2009, tinham sido aprovados mais 96,7 mil milhões até Setembro.

Ora, há dias surgiu um escândalo, proveniente da Câmara dos Representantes dos EUA, quando foi divulgado um relatório, que referia que "dezenas de milhões de dólares" foram pagos a grupos armados afegãos "e talvez até talibãs" para proteger a circulação de transportes rodoviários logísticos para as Forças Armadas.

Do documento, retirava-se que o Pentágono tinha decidido "entregar" esses transportes à gestão de empresas privadas. O contrato, feito pelo Departamento de Defesa, com essas empresas privadas, para abastecimento logístico das suas tropas, segundo o relatório, ascende a 2,1 milhões de dólares.

Cito a reportagem feita pela TSF sobre o assunto:

"O congressista John Tierney, presidente da sub-comissão de Segurança Nacional e Negócios Estrangeiros, comparou o que se está a passar no Afeganistão com um negócio mafioso.

O congressista reforçou que os contribuintes norte americanos estão a alimentar com dólares um negócio de protecção que tornaria «orgulhoso Tony Soprano», o protagonista da série sobre a máfia “Os Sopranos”.

No Afeganistão, as empresas privadas de transportes da logística militar têm que pagar protecção para não serem atacadas. Estes contratos aparentam assentar em «extorsão, corrupção e mesmo no financiamento do inimigo», disse. Ou seja, os talibãs estão a ser pagos pelos norte-americanos, segundo o parlamentar norte americano, e calcula-se que sejam cerca de três milhões de euros por semana.

John Tierney acrescentou que, há 14 meses, as «empresas de transportes fazem o pagamento a senhores da guerra dois dias antes das viagens começarem».

O congressista disse ainda que «a combinação de um aumento crescente dos contratos e incapacidade de gestão e controlo externo foi uma receita para o desastre».

Estão em causa mais de cem contratos com empresas de camiões para o reabastecimento de comida, água, combustível e equipamento dos militares no Afeganistão.

No início do ano já um relatório secreto, agora citado, dizia que os Estados Unidos eram cegos e estúpidos na forma como estavam a lidar com a realidade cultural e étnica do Afeganistão".

É evidente que os lobbies que rodeiam Obama e, particularmente, os que enxameiam o Pentágono, beneficiam, enormemente, - mas este enxame também povoa os Estados-Maiores europeus que participam na guerra - com a presença norte-americana prolongada.

E esta presença mais prolongada, também, não está isolada nos negócios paralelos e criminosos internos do Afeganistão.

A ocupação e a guerra prolongada destruiu, praticamente, toda a economia agrícola que era a principal fonte de riqueza dos povos locais. Floreseceu, pelo contrário, o tráfico de ópio e dos seus derivados, especialmente a heroína.

Dizem as entidades especializadas da ONU, que 93 por cento desses opiácios, que se espalham pelo mundo, provem do Afeganistão, e que o comércio aumentou exponencialmente desde 2001. A UNDOC refere que 80 a 90 por cento da heroina consumida na Europa é transportada do Afeganistão.

Ora, por ocasião, das últimas eleições presidenciais no Afeganistão, a administração norte-americana, hipocritamente, acusou o irmão de Hamid Karzai como um dos principais traficantes do país. E, sibilinamente, apontava que o Presidente, que eles colocaram no lugar, e pertencia aos seus serviços secretos, actuava, como "cúmplice".

Com uma presença, tão actuante das tropas dos EUA e da NATO, este tráfico, feito tão às claras, não é possível sem a benção das autoridades norte-americanas.
Os negócios ilegais deste tráfico tem dado entrado, para acções de branqueamento, no sistema financeiro internacional, e este sistema ainda é controlado por Wall Street.

Eis-nos chegados, pois, à entrada em funcções do general David Petraeus.

Apesar da humilhação que as declarações de McChrystal foram para Obama, algo deve estar a ser reformulado na estratégia norte-americana. E isto porque, é muito natural que a Administração tenha chegado à conclusão que, por muito dinheiro que possa correr, atravês da poresença, no Afeganistão (e até no Iraque), o certo é que toda a máquina de guerra está a custar mais numerário do que ele possa vir a render.

E para que os negócios possam ter de evoluir noutro sentido, menos belicoso, mais consensual entre os próprios senhores da região, ou seja o Grande Médio Oriente, será necessário refazer alianças, diminuir o peso das despesas militares, caminhar para parcerias menos rígidas.

O general Petraeus, há cerca de um ano, numa audição no Senado, sublinhou que os EUA teria de repensar a sua visão sobre o Médio-Oriente. E frisou, significativamente, um aspecto que era candente para a política a prazo de Washington: "as posições de Israel enfraquecem os Estados Unidos", que complemetou: "Israel fomenta o sentimento anti-americano na região".

Ainda pensará da mesma maneira?
Estará na forja uma manobra, mais profunda, no meio das frequentes cambalhotas norte-americanas, face ao inevitável no Afeganistão, no Iraque, e, possivelmente, no Paquistão?















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