terça-feira, 25 de maio de 2010

QUEM SÂO OS COMBATENTES "DA DEFESA PÁTRIA"?

1 - Nos últimos dias, temos assistido a um corrupio de tomadas de posições, enaltecendo a guerra colonial, lançando anátemas de "traidores", umas vezes veladas, outras acintosas, sobre pessoas ou personalidades que se manifestaram contra os conflitos sangrentos que percorreram todas - e digo todas - as terras extra-europeias que, teoricamente, estiveram sob a gestão centralista de Lisboa.

Muitos desses arautos da defesa de Portugal do Minho a Timor chegam a proclamara profissões de fé ou frases grandiloquentes contra "a perda das nossas provínciais ultramarinas", chegando inclusive ao desplante de sentenciar sobre a "a justiça da guerra e o direito de fazê-la".

Um destes habituais homens de peito feito na "defesa da Pátria" é um senhor que se chama Brandão Ferreira, que foi oficial da Força Aérea, onde atingiu o posto de tenente-coronel.

2- Eu, como antigo combatente, que participei em numerosos, dolorosos e mortíferos duelos com os guerrilheiros, que fui voluntário integrante de um corpo de elite da Marinha de Guerra, e que, pela experiência do que vi, assisti e meditei, me tornei crítico dessa guerra, curvo-me sempre, sobre os camaradas de armas, que, em consciência, defenderam as suas posições, se bateram, de armas na mão, nos mesmos ou noutros territórios operacionais. Discuto com eles, fraternalmente, porque, ambos conhecemos o que foi a dureza do combate e vimos o sangue de outros nossos camaradas, que, lá, morreram. Estivemos lá.

Não admito que senhores do "ar condicionado", das trincheiras "das repartições dos Estado Maiores", ou presunçosos que nem sequer chafurdaram nas lamas das bolanhas ou das imensas planuras alagadas das lalas, que não sabem o que é combater no duro, lancem balelas ou lições de moral sobre a "defesa da Pátria".

3 - Existe, ainda, um outro grupo, este de combatentes, que se arrogam de o ser, porque o foram, mas, primeiro, quando fizerem tais afirmações, têm de confessar que estiveram nas frentes de combate contra a sua vontade, e somente foram militares pertencentes a unidades de combate, porque o governo de António Salazar os obrigou. Uns portaram-se dignamente, apesar de tudo, outros nem tanto...Mas, repito, não estiveram nessas unidades por convicção de "Defesa da Pátria", mas obrigados, calados, e, muitas vezes humilhados.

Conheci muitos oficiais superiores (e generais) dos três ramos das Forças Armadas durante a minha permanência na Guiné, que ainda hoje se intitulam de combatentes, mas que nunca andaram sequer por um trilho, nem viram uma munição de G-3. Eu estive em muitos quartéis e em muitas batalhas, e estes olhos viram muita cobardia, reformulada, mais tarde, para manifestações de alta heroicidade.

4 - Estive, em Novembro de 2001, como palestrante, no II Congresso Internacional sobre a Guerra Colonial, que decorreu no Seixal, a convite do seu organizador, professor doutor Rui de Azevedo Teixeira. Na mesa em que participei, igualmente esteve presente o tenente-coronel Brandão Ferreira que fez uma intervenção com o título "o fim de uma maneira portuguesa de estar no mundo e a desmitificação dos ventos da história". De certo modo e em certo sentido, aquele oficial apresentou as teses políticas e ideológicas que vem defendendo.

Eu apresentei um pequeno trabalho que intitulei "a independência das colónias e seus problemas".
Os dois textos podem ser consultados na totalidade no livro "A Guerra do Ultramar - realidade e ficção", que foi editado pela Notícias Editorial, em Novemnro de 2002.

Em suma, e no que me diz respeito, eu sustentei que "a questão das antigas colónias portuguesas continua a ser vista por muitas pessoas, inclusive algumas com responsabilidade na vida política, militar, e mesmo académica, com uma perspectiva eurocêntrica e paternalista".
"quero eu dizer - expliquei - com isto que os pontos de vista dessas pessoas, quer na perspectiva histórica, quer na análise política, se regem pelos padrões de que a civilização europeia (que alías não é uniforme) é a única que está "no centro do mundo" e que os outros povos e países se têm de pautar exclusivamente pelas suas opiniões, directivas e mesmo organizações políticas e sociais".

E sugeri que se virassem para estudar a História de Portugal, para constatar que a organização interna do pequeno condado que se rebela, com Afonso Henriques, contra o poder imperial de Castela demorou séculos a consolidar-se. Que praticamente até até à segunda metade do século XX, Portugal foi um território continuado de guerras civis, guerras dinásticas, guerras de invasão. Por exemplo a fixação de fronteiras somente ocorreu em 1297, pelo Tratado de Alacizes, ou seja 150 anos depois de o primeiro rei se ter separado, politicamente, do imperador de Leão e Castela. Ou exemplo, quase todo o século XIX for percorrido por guerras, desde as invasões napoleónicas, as guerras civis entre D.Pedro IV e D.Miguel, às Regenerações, Marias da Fonte.

Sugeri, igualmente, que estudassem a própria presença portuguesa nas antigas colónias. Nos principios do século XX, praticamente, não havia colonos em Angola, Moçambique, Guiné, Cabo Verde, S.Tome e Timor-Leste.

Quando começou a guerra de guerrilha em 1961, a esmagadora maioria dos naturais daquelas colónias, que não fossem brancos ou assimilados, não sabiam falar português.

Podemos, pois, falar em pertença, se nem sequer tinham um mínimo de toque civilizacional cultural português naquelas terras?

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