terça-feira, 18 de maio de 2010

A minha reverência perante Saldanha Sanches

Faleceu, na passada sexta-feira, o fiscalista José Luís Saldanha Sanches.

Foi um antigo militante do PCP, posteriormente destacado dirigente do MRRP, e finalmente, militante de base do antigo PC (R)/UDP, que abandonou, possivelmente, por volta de 1978.

Conheceu a prisão da polícia política, a PIDE, antes do 25 de Abril de 1974, foi ferido pelos esbirros daquela polícia, sofreu torturas, e inexplicavelmente, nos pós-25 de Abril foi detido às ordens do COPCON, por indicação do gabinete do então Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves.

Foi na altura da sua passagem pelo PC (R)/UDP, que eu conheci o Saldanha Sanches, juntamente com a sua companheira Maria José Morgado numa sede daquele partido, onde, segundo informaram na altura, estariam "colocados em processo de reabilitação", depois de terem cortado, politicamente, com o MRPP, que, na altura eu desconhecia. (Saldanha Sanches escreveu, então, um livro sobre o tema). Sei que abandonou meses depois aquele partido.

Vim a encontrar, posteriormente, Saldanha Sanches nos caminhos do jornalismo, onde fomos ambos profissionais. Curiosamente, passamos pela mesma empresa, a ANOP. Abandonara a militância política e desinteressara-se dos caminhos da Revolução, da ruptura da actual sociedade desigual, que, apesar de tudo, abominava.

Não fomos íntimos, nem privamos. Cumprimentamos ao longo destes anos, trocávamos umas meras palavras de circunstância, sempre que nos encontrávamos, na zona da Alameda, em Lisboa, pois viviamos em locais diferentes, mas, por acaso, havia, por vezes, um roteiro comum nas nossas andanças a pé pela zona.

Reverencio a sua memória.

Saldanha Sanches, como muitos dos jovens que vieram para a militância revolucionária nos anos 60, e face ao desagregar contínuo do regime salazarista português, amparado pelo "taticismo" da oposição republicana e do PCP, onde ele se inseriu, que preconizava um "levantamento pacífico" para o derrube do ditador, desiludiu-se daquele partido e enquadrou uma das muitas estruturas ditas de extrema-esquerda que "salpicaram" o panorama político português, preconizando uma subversão geral violenta da sociedade, precisamente, em ruptura com as teses de Álvaro Cunhal de conseguir a "unidade de todos os portugueses honrados".

Com o 25 de Abril, e a irupção de uma semi-revolução, Saldanha Sanches, como muitos outros, como eu, pensava que todos os dados apontavam para uma marcha, a curto prazo, para uma "revolução social".

Com o refluxo, que se seguiu ao 25 de Novembro de 1975, foram-se as ilusões de uma vitória repentina, decisiva e incisiva do "povo trabalhador" sobre o poder dos opressores. Criaram-se desilusões, desgastes, muitos escolheram caminhos de total complacência e participação directa na ascensão das antigas classes dirigentes. Tornaram-se mesmo contra-revolucionários.

Apesar da sua desilusão e do seu afastamento da chamada política activa de oposição ao novo regime, Saldanha Sanches não se remeteu, no entanto, a dar um amém aos ditames do novo regime.

Podemos criticá-lo por dar a mão ao PS, colocando António Costa na liderança da Câmara de Lisboa, mas temos de registar e enaltecer as suas intervenções e críticas escritas a fustigar, precisamente, a voragem da agiotagem, o desprezo pela chusma de vigaristas que vivem a custa do Estado.

A este propósito cito a sua última crónica, inserta no último jornal Expresso, onde justamente fustiga "Os papa-reformas".

"Além das vassalagens - escreveu - não podemos esquecer os outros papa-reformas, profissionais da acumulação de reformas públicas, semipúblicas e semiprivadas. Basta ver o caso do Banco de Portugal ou outros menos imorais, que permitem que uma série de cidadãos - gente séria, acima de qualquer suspeita - se alimente vorazmente, em acumulações de pensões, reformas e complementos, que começam a receber em tenra idade".

Apesar de tudo, e sem vergonha, alguns destes rafeiros da acumulação de reformas deram-lhe loas na hora da morte. Outros, com o dinheiro empochado, pedem que se cortem nos subsídios dos reformados e nos salários de miséria dos empregados, e já com reforma em acumulação ainda vão sacar mais uns proventos nos sofás de Bruxelas, outros já con reformas daqui e dali ainda se atrevem a pedir contenção nas despesas sociais.

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