quinta-feira, 27 de maio de 2010

CASA PIA: ONDE ESTÃO OS OUTROS?

No próximo dia nove de Julho será conhecida a sentença do chamado processo Casa Pia.

Um processo que começou em 2002, quando a mãe de uma então criança internada na Casa Pia de Lisboa acusou um funcionário da instituição, de nome Carlos Silvino, de ter violado, repetidamente, o seu filho.

Ainda em 2002, o jornal Expresso noticiou que "centenas de crianças" da Casa Pia lisboeta teriam sido violadas, nos últimos anos, por pessoas consideradas importantes na vida política, judicial, económica, social e até religiosa do país.

Um clamor se levantou. Foram feitas, repetidas, juras por parte das autoridades que iriam até às últimas consequências. Foram referidos muitas dezenas de violadores, a maior parte dos quais citados em conversas particulares pelas crianças vítimas.

Quando se iniciaram as investigações, algumas figuras, tidas como mediáticas, como o então apresentador oficial televisivo do actual regime, Carlos Cruz, que chegou a fazer parte da delegação diplomática portuguesa na ONU, saltaram para a praça pública.

Começaram a chover as "vozes sensatas" vindas de vários quadrantes a pedir contenção.

A investigação começou a sofrer atropelos.

Todavia, em 2003, mesmo com contratempos, O Ministério Público formalizou 10 acusações: ao apresentador de televisão Carlos Cruz; ao humorista Herman José: ao deputado socialista Paulo Pedroso; ao ex-funcionário da Casa Pia Carlos Silvino ("Bibi"; ao advogado Hugo Marçal, ao embaixador Jorge Ritto;ao médico Ferreira Diniz, ao ex-provedor da instituição Manuel Abrantes; ao arqueólogo Francisco Alves; a Gertrudes Nunes, a dona da casa de Elvas onde terãoocorrido alguns dos crimes.

Paulo Pedroso, Herman José e o arqueólogo Francisco Alves deixaram, entretanto, de pertencer ao rol dos arguidos, após processos rocambolescos com enormes de pressões pelo meio.

Ontem à noite, o arguido Carlos Cruz deu uma entrevista na TVI, precisamente, a afirmar-se inocente e a afirmar que a investigação foi incompetente, admitindo, no entanto, que existe um "indicío de condenação".

Ao fazer estas declarações lançou, no entanto, um aviso para os seus antigos envolvidos no processo. E ele sabe porquê. Referiu-se, especificamente, a Paulo Pedroso, que foi defendido, pateticamente, na altura pelo então secretário-geral do PS Ferro Rodrigues, pelo então Ministro António Costa e pelo ex-Chefe de Estado Mário Soares, entre outros.

Ora, Carlos Cruz disse não entender - e cito a imprensa - em que é que a sua situação é diferente da do antigo deputado do PS. "Os rapazes que o acusavam a ele são os mesmos que me acusam a mim. A credibilidade desses testemunhos, no caso dele, foi posta em causa pelo Tribunal da Relação e pela Juíza de Instrução Criminal. Ele não é culpado. Eu sou. Não entendo".

Ele entende, na verdade. Será um aviso aos culpados na sombra?

O caso que envolve estes arguidos e outras personalidades nos casos de pedofília na Casa Pia têm sido referidos, com maior ou menor intensidade, na Imprensa desde 1975. E os jornalistas que acompanharam estes casos sabem que alguns nomes citados, como pedófilos, por diferentes gerações de crianças, hoje homens e alguns com responsabilidades, eram sempre os mesmos. Carlos Cruz, culpado ou inocente, eram, precisamente, um deles.

O caso que deu "algum brado" ocorreu, em 1980, durante uma comemoração dos 200 anos da Casa Pia, onde esteve presente o então Presidente da República Ramalho Eanes. Ele ouviu da boca de alguns dessas crianças e jovens então alunos o que se passava. Acompanhava Eanes a então Secretária de Estado da Família Costa Macedo.

Quando rebentou o novo escândalo, em 2002, Costa Macedo fez declarações, chegando a confirmar que havia fotografias, que ele tinha ou teve na posse, onde personalidades estavam em poses de abusos sexuais com crianças da Casa Pia.

Macedo desapareceu desde então da circulação. Certamente, foi aconselhada a remeter-se ao silêncio.

Mas convém para que conste, como memória futura, o que ela revelou na Ãssembleia da República.

Cita-se a imprensa da altura, Dezembro de 2002.

*A ex-secretária de Estado da Família Teresa Costa Macedo revelou hoje que o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo do Bloco Central Jaime Gama teve conhecimento do processo relativo aos alegados crimes de abuso sexual na Casa Pia de Lisboa.

Na audição de hoje (22 de Dezembro) na comissão dos Assuntos Constitucionais, a ex-secretária de Estado da Família revelou que um ex-ministro a tinha acusado de perseguir funcionários do ministério daquele governante, acusação que Teresa Costa Macedo diz ter rejeitado.

A ex-secretária de Estado, referiu à primeira comissão, aconselhou o ex-ministro a consultar o processo relativo à Casa Pia para constatar que não havia qualquer perseguição política. O ministro assim o terá feito, contou a ex-secretária de Estado, tendo depois admitido que Teresa Costa Macedo "tinha razão".

Aos deputados, Teresa Costa Macedo nunca revelou o nome do ministro em causa, mas, à saída da audição, aos jornalistas, a ex-secretária de Estado da Família do Governo AD revelou que o governante em causa era Jaime Gama, ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo do Bloco Central, entre 1983 e 1985.

Ao afirmar que Jaime Gama consultou o processo, no qual constava o nome do diplomata Jorge Ritto, Teresa Costa Macedo deixa claro que o ex-ministro e agora deputado do PS tinha "conhecimento profundo" do que se passava na instituição*.

Teresa Costa Macedo igualmente denunciou que a RTP filmou e fez reportagem em 1980 e nunca a transmitiu.

Cita-se mais:

*A ex-governante revelou também que seis alunos da Casa Pia contaram "ao pormenor" as violações de que foram alvo nas comemorações dos 200 anos da instituição, acusando a RTP, que estava presente, de "ter abafado" a reportagem.

Teresa Costa Macedo disse mesmo que perguntou ao então presidente da RTP, Soares Louro, (convém aqui esclarecer que este senhor, já falecido, foi aluno da Casa Pia e figura importante no aparelho do PS) porque razão não foi divulgada a reportagem. O presidente ter-lhe-á dito que o conteúdo da reportagem "era tão grave" que não podia ser divulgado à época.

"Eu aceitei esta explicação. Ao tempo aqueles depoimentos eram de tal maneira chocantes, que era um programa que não podia passar na televisão", admitiu Teresa Costa Macedo.

A situação ocorreu nas comemorações dos 200 anos da Casa Pia de Lisboa, em 1980, já Teresa Costa Macedo era secretária de Estado da Família. Ramalho Eanes, Presidente da República, também esteve presente nas comemorações.

A ex-secretária de Estado contou hoje que quando se preparava com o então Presidente da República para ir "para o banquete" foram levados para uma sala da instituição, "onde se encontravam seis alunos e duas câmaras de televisão". "O provedor foi proibido de entrar", disse.

Os alunos, adiantou Teresa Costa Macedo, contaram "ao pormenor" as "violações de que eram vítimas" da parte "de ex-alunos, de alunos mais velhos e de funcionários" da instituição*.

E ainda:

*Porque é que não passou aquela reportagem? Eles [alunos] disseram tudo", questionou-se Teresa Costa Macedo sobre a conduta da RTP.

Escusando-se a revelar nomes de altas individualidades, alegadamente implicadas, na rede de pedofilia que disse existir desde há mais de duas décadas, envolvendo menores da Casa Pia, Teresa Costa Macedo reiterou que durante os anos em que tutelou a instituição (1980-82) fez o que pôde, enviando todos os relatórios para a Polícia Judiciária.

Costa Macedo disse que, em sua opinião, os ministros dos Assuntos Sociais entre 1980 e 1982 (Morais Leitão, Carlos Macedo e Luís Barbosa) sabiam do que se passava, tendo mesmo admitido que outros ministérios, até depois de 1983, tiveram conhecimento do caso.

A ex-secretária de Estado lamentou que, agora, depois de divulgado o escândalo, ex-governantes tenham sido "atacados de uma súbita amnésia", lembrando ter sido ela "a única pessoa com funções de governação que foi para a frente com processos contra" Carlos Silvino, o funcionário alegadamente autor de abusos sexuais.

"Fui a única pessoa a recordar-me de factos perante o silêncio dos outros", acusou, reiterando que Carlos Silvino era "o angariador de uma rede de pedofilia", mas que não passa "do elo mais fraco" dessa mesma cadeia.

A ex-secretária de Estado disse mesmo que Carlos Silvino "tinha os provedores da Casa Pia na mão", sem explicar a sua suspeita.

Teresa Costa Macedo voltou a afirmar que só tomou conhecimento de casos de abusos sexuais nas comemorações dos 200 anos da Casa Pia, admitindo que antes desse dia apenas "se falava em casos de homossexualidade".

As perguntas mais críticas surgiram da parte do deputado do CDS/PP Narana Coissoró, que quis saber se a ex-secretária de Estado tinha voltado a falar sobre o assunto com Ramalho Eanes depois das celebrações e por que razão não tinha recorrido ao Ministério da Justiça e ao procurador-geral da República face à inércia que diz ter verificado da parte da PJ.

Numa atitude defensiva, Teresa Costa Macedo admitiu que não voltou a falar com Ramalho Eanes sobre os relatos dos alunos, mas desde logo frisou que era o Presidente da República que lhe devia perguntar a ela o que estava a despachar sobre o assunto*.

A TERMINAR, sugiro que se veja uma entrevista elucidativa dada, em 25 de Novembro de 2009, à SIC por um antigo aluno da Casa Pia, hoje advogado de profissão Pedro Namora, entrevista esta que pode ser consultada em www.youtube.com, procurado no Google, tal como eu fiz, Casa Pia Namora.

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